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“MATTHIAS E MAXIME” – Impacto morno [21 F.Rio]

MATTHIAS E MAXIME é, em última instância, um filme sobre os reflexos de uma masculinidade imposta pela sociedade sobre os relacionamentos e os sentimentos. A partir do tema, Xavier Dolan tem à disposição material para explorar diferentes possibilidades dramáticas e conflitos muito ricos, mas acaba se rendendo a artifícios de linguagem pouco justificados. Ao final, então, a narrativa se desvia da plena satisfação da sua proposta em favor de uma história que não marca emocionalmente.

(© Seville Pictures / Divulgação)

Quando um grupo de amigos viaja para a casa de férias de um deles, Matt e Max acabam participando de um filme experimental feito pela irmã de um dos colegas sem saber que devem fazer uma cena de beijo. Após se beijarem, nada de sua antiga amizade continua da mesma maneira: Matt começa a se rebelar contra dúvidas dentro de si sobre seus sentimentos pelo amigo, e Max, aparentemente, não apresenta maiores mudanças. A partir daí, cada um deles vivencia seus próprios conflitos até o reencontro indicar como pode ser o futuro de ambos.

Se dependesse apenas do primeiro ato, a produção poderia ser bem-sucedida. Isso porque Xavier Dolan estabelece, na direção e no roteiro, um contraste entre a dinâmica dos amigos dentro de uma imagem de masculinidade heterossexual e as insinuações pelo desejo de outras relações por Matt e Max. A câmera se movimenta muito ao longo de planos com cortes ágeis para mostrar as interações dos colegas bebendo, fazendo piadas uns dos outros e fingindo brigas. Já em outros momentos, os enquadramentos são lentamente construídos com movimentos de câmera fluidos e expressivos para mostrar Max olhando um outdoor com uma família tradicional e Matt ouvindo do chefe que deveria experimentar algo novo (referência ao trabalho, porém com um subtexto sexual.

Porém, o incidente que move a narrativa para os demais atos também é o responsável por trazer os problemas da obra. O beijo dos protagonistas não é problemático pelo que a história pretende contar, mas pela maneira como é feita. Esse instante de carinho é ocultado sem uma razão dramática clara, enfraquecendo justamente o elemento mais essencial da trama, assim como outros recursos carecem de maior sentido quando empregados. É o que ocorre, por exemplo, com os vários zoom-in  inesperados nas cenas em que os amigos estão juntos e os planos que emolduram Matt e Max, ou pelo menos um deles em tela, como se estivessem em um quadro pintado – fica a sensação que o cineasta quer chamar demasiada atenção para seu trabalho em detrimento de uma articulação entre estética e conteúdo.

Em termos narrativos, a trajetória dos dois homens se separa por algum tempo para aumentar o conflito quanto à realização ou não do amor entre eles. Matt busca a promoção em seu emprego, enquanto lida internamente com a paixão que começa a nutrir pelo amigo, muito mais tentando negá-la e escondê-la do que aceitando-a; ele também recebe um advogado estrangeiro de viagem, importante para sua carreira, que o faz também enfrentar os dilemas sentimentais que vive. Já Max tenta cuidar da mãe em processo de reabilitação do alcoolismo e sob uma dificuldade crônica de administrar seu dinheiro, porém eles sempre discutem asperamente e o filho chega a ser agredido por ela; enquanto isso, faz os arranjos para viajar para Austrália. As duas subtramas são filmadas com estilos distintos e compatíveis com seus respectivos desafios, minimalista e de ritmo mais lento no caso de Matt, e dramática de ritmo mais intenso no caso de Max. Por outro lado, a divisão da narrativa adia continuamente as melhores cenas de encontro entre os dois homens e repete situações para eles sem grande benefício para o filme.

Outra deficiência para a progressão do enredo diz respeito às tentativas da montagem de criar certa urgência ao separar a narrativa em blocos que marcam o tempo restante para a viagem de Max. Entretanto, falta transmitir maiores dúvidas se o romance pode se concretizar e evitar uma queda de ritmo em função do excesso de fade-out. Além disso, não se sabe nada do que Max sente pelo amigo, pois sua jornada apenas se estrutura em torno da mãe, e o clímax emocional do encontro entre eles não se desenvolve – elipses afetam o andamento e a compreensão da história: a insegurança de Matt até é justificada como empecilho para o relacionamento, mas os demais obstáculos são forjados artificialmente por Xavier Dolan para afastar os personagens incoerentemente.

Portanto, a montagem e as demais escolhas artísticas do diretor/roteirista não deixam o espectador acompanhar como Max se sente perante o amigo e como lida com a situação, nem como Matt resolve seus sentimentos. Tais defeitos fazem com que a conclusão seja confusa e apressada, levando as quase duas horas de duração a serem construídas com um distanciamento técnico e sentimental que deixa “Matthias e Maxime” pouco envolvente e frio.     

*Filme assistido durante a cobertura da 21ª edição do Festival do Rio (21th Rio de Janeiro Int’l Film Festival).