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“MEU ÁLBUM DE AMORES” – O amor é brega

Dentro da historiografia musical brasileira, há estudiosos que entendem que o brega é um gênero musical pobre, repleto de clichês, sentimentalismo barato e musicalmente singelo. Outros, por outro lado, interpretam essa posição como uma espécie de elitização cultural. Não há nada mais brega do que assumidamente homenagear o brega, como faz MEU ÁLBUM DE AMORES, porém a autenticidade blinda o filme contra qualquer conotação negativa que a palavra possa ter.

Júlio é dispensado por sua namorada Alice justamente quando eles estavam prestes a morar juntos. Arrasado com o término, ele é novamente abalado pelo aparecimento de um irmão do mesmo pai biológico, recém-falecido, cuja existência ele desconhecia. É o início de um aprendizado sobre o amor e sobre si.

(© Pandora Filmes / Divulgação)

O filme tem a breve aparição de Odair José, cantor brega que, junto do músico Arnaldo Antunes, compôs as canções cantadas por Odilon Ricardo, o pai de Júlio. Tanto Odilon quanto Júlio são interpretados por Gabriel Leone, que faz parecer fácil a árdua tarefa de criar duas personagens distintas no mesmo longa (aliás, ele atua e canta bem). Na trama, Odilon é um cantor de sucesso na década de 1970, o que reafirma a inspiração de Leone e do próprio filme em Odair José. Odilon diz que “seu negócio” é “cantar e amar, e amar e cantar, não importa a ordem”. Leone incorpora uma persona que fala pouco (apenas em entrevistas), mas que canta em perfeito estilo brega da época (tal qual Reginaldo Rossi, Sidney Magal e Roberto Carlos), sobretudo pelas coreografias e pelo visual.

Para distinguir Odilon e Júlio, o diretor Rafael Gomes coloca o primeiro com vestuário colorido e extravagante, correntes no pescoço, óculos de sol e penteado levemente desarrumado e o segundo praticamente no oposto – roupas claras e sem brilho, sem acessórios e cabelo mais curto com penteado simples. Entretanto, Júlio passa por um processo de redescoberta enquanto a narrativa progride, de modo que, aos poucos, abandona a camisa social discreta para usar camisetas e camisas com mais cores e brilho, inclusive algumas de seu pai. Inicialmente, o jovem é conservador (por exemplo, para convencer Alice a não largá-lo, enfatiza o que lhe oferece em termos materiais, ignorando que o que ela desejava era imaterial), além de preconceituoso (com manifestações racistas e homofóbicas); durante a sua jornada de autodescobrimento, contudo, ele relativiza seus valores e se abre a uma realidade que não conhecia.

Parte da responsabilidade dessa jornada deve ser atribuída ao término de namoro, mas o que realmente se mostra fundamental é o histórico de seus pais. De um lado, Júlio descobre um pai sobre o qual ele nada sabia e rapidamente percebe que Odilon interpretava o amor de forma absolutamente distinta. Para o cantor, a vida proporciona amores, não devendo esse belo sentimento ser limitado a uma pessoa. Aos poucos, o protagonista percebe, através das canções do pai, que o que ele sentia por Alice não era amor, mas obsessão (como em diálogos imaginários ou ao admitir que sua vida era definida por ela). Do lado materno, Maria Helena (Maria Luísa Mendonça, sem destaque) é a responsável pelo seu desconhecimento sobre o genitor, o que lhe causa raiva e incompreensão.

Júlio não sabe o que é amor, aprendendo que o sentimento tem inúmeras facetas. É nessa lógica que surge o amor fraterno, pois Felipe (Felipe Frazão, ótimo) está mais próximo de Odilon do que de Júlio. Com camisas estampadas, consumo de substâncias entorpecentes e dedicação artística, Felipe tem muito a ensinar ao irmão. O jovem serve como alívio cômico, mas é também o contraponto necessário, no presente diegético, ao protagonista. Para enfatizar o antagonismo, o diretor se utiliza não apenas do figurino ou da diferença física dos atores, mas também de recursos de linguagem cinematográfica. Exemplo disso é a cena em que os dois conversam no apartamento de Odilon, em que Felipe aparece na entrada de um recinto, havendo então profundidade no campo, enquanto Júlio está em frente a um móvel, não havendo a mesma profundidade, metáfora para a abertura (nas ideias, na conduta etc.) do primeiro contraposta ao fechamento do segundo.

O filme é dividido em cinco capítulos, cada um marcado pelos clipes gravados por Leone, fazendo com que as letras dialoguem com a própria trama. Talvez essa divisão, impulsionada por ruído de vinil, seja cinematograficamente simplória, uma ferramenta que simplifica em demasia a narrativa. Mesmo nisso Rafael Gomes acerta, pois o cineasta abraça uma característica do brega, que é a simplicidade. O amor mencionado nas canções de Odilon (e de Odair, e de Roberto…) é um sentimento complexo encarado com singeleza, de maneira direta e bastante clara. O álbum de Júlio (e de Odilon, e de Felipe…) não pode ser restrito a um amor, deve ser explorado no plural.