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“MEU SANGUE FERVE POR VOCÊ” – Magalesco [47 MICSP]

Artisticamente, Sidney Magal sempre foi exótico. Brega, com toda certeza, mas também sedutor e fiel à sua arte singular. Ao contrário do que se poderia esperar, MEU SANGUE FERVE POR VOCÊ não é a sua cinebiografia, mas uma espécie de conto sobre o início do seu romance com Magali, sua famosa esposa. Um conto tão exótico e brega quanto o próprio artista.

Em 1979, Sidney Magal já era famoso e venerado, em especial pelas mulheres. Sua vida vira de cabeça para o ar quando conhece Magali, uma jovem por quem se apaixona perdidamente e decide conquistar. A tarefa, contudo, não será fácil, pois a união não é o que pretende seu empresário, nem o que deseja a sua mãe, Graça.

(© Mar Filmes / Divulgação)

Ao contrário do que é escrito nos minutos iniciais, “Meu sangue ferve por você” não é uma fábula, a despeito da simplicidade das personagens, porque não tem um conteúdo moral como as famosas fábulas de Esopo. A produção é bastante simples: um artista no auge da carreira e sua busca por um amor, inicial e aparentemente, não correspondido. O roteiro de Thiago Dottori, Homero Olivetto, Roberto Vitorino e Paulo Machline – o último também diretor do longa – não poderia ser mais repleto de clichês, como se depreende da cena em que Magali chega em casa sorrateiramente, a sequência do concurso, a cena do carro do Claudinho e assim por diante. Também é clichê a interação do casal, da antipatia de Magali ao amor inegável, com um momento de turbulência. Outro clichê: um ator jovem e bonito em várias cenas sem camisa (muito embora, nesse caso, não seja espetacularização, mas fidelidade ao real).

O humor é funcional, mas nada surpreendente (“meu nome é Regras”, Jean reclamando do feedback de sua nova música etc.). Nota-se inclusive que uma personagem de puro alívio cômico, Lurdes (Tânia Tôko), é a mais engraçada, o que não é bom sinal, dada a sua irrelevância na trama. O elenco, por sua vez, é de extremos. Enquanto Emanuelle Araújo e Caco Ciocler, mais experientes, demonstram facilidade em papéis, como dito, simplórios – Graça, a mãe protetora, e Jean, o agente manipulador -, ao passo que Filipe Bragança e Giovana Cordeiro, mais jovens, não dão conta da dupla principal. Bragança tem bom desempenho no rebolado “magalesco”, porém sua expressão apaixonada é um pouco insossa, o que definitivamente não combina com alguém arrebatador como Sidney Magal (mesmo considerando que está apaixonado). Quanto a Cordeiro, a cena do “chilique” de Magali contra a mãe, seguida de outro “chilique”, dessa vez de Jean, expõe o abismo entre ela e Ciocler. De positivo, a atuação de Sidney Santiago é a medida certa da diversão, e, ainda melhor, com uma personagem com um esboço de arco narrativo próprio.

Para enfatizar a sensualidade de Magal, Paulo Machline usa enquadramentos fechados na região de cintura de Filipe Bragança; para mostrar suas fãs, a canção que dá nome ao título embala um prólogo que estabelece adequadamente o contexto. Um dos maiores acertos está no figurino, com roupas brilhantes, geralmente em tons azulados (exceto quando o protagonista está animado). Por outro lado, mesmo sem ser propriamente um musical, o filme tem cenas musicais que parecem clipes mal filmados, por três características. Primeiro, paira uma estranheza tanto sonora (as batidas contemporâneas são um anacronismo que tira o espectador da época) quanto de dança (as coreografias não são ruins, mas básicas, salvo em uma cena, que destoa bastante das demais). Segundo, falta unidade estilística na medida em que nem sempre é o cantor quem canta as próprias canções e nem sempre a canção está em um contexto de canção. Terceiro, as cenas são visualmente confusas, sobretudo pelo uso despropositado de fusão pela montagem e esquisitíssima sobreposição imagética dentro do campo.

Tudo isso poderia sugerir um filme ruim, mas extrair essa conclusão seria enxergar “Meu sangue ferve por você” como um filme comum, o que ele não é. A direção de Machline indubitavelmente adota muitas licenças poéticas, como nas cenas de clipes, no ritmo acelerado (isso para não falar do “eu te amo”, que não é sequer problematizado com um “você nem me conhece ainda”) e na maquiagem exagerada. Seu trabalho é dotado de excessos que constituem uma excentricidade. Essa excentricidade, todavia, é de algum modo harmônica com Sidney Magal. A cena em que é cantada “Olha”, por exemplo, além das características mencionadas (poderia o flare da fotografia ser mais clichê?), tem extravagâncias curiosas, como a coreografia de balé e a versão orquestral (que felizmente ofusca a dificuldade de Bragança em alcançar os agudos). Entretanto, é uma cena romântica breguíssima, o que é de se esperar em um filme como esse. Tecnicamente, a obra é dotada de falhas facilmente perceptíveis, mas na realidade isso importa pouco diante de uma proposta “magalesca”. Sidney Magal fazia sucesso não por composições rebuscadas como Roberto e Erasmo Carlos, não era sua voz ou sua poesia que encantavam – e ainda encantam – o público. Seu sucesso é fruto de uma assumida singularidade, uma coragem de ser peculiar e uma vontade de agradar sua plateia. As mesmas características que o filme possui.

* Filme assistido durante a cobertura da 47ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).