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“MINARI – EM BUSCA DA FELICIDADE” – Fofo, porém descartável

O que sustenta MINARI – EM BUSCA DA FELICIDADE são dois pilares sobre os quais a narrativa se constrói. O primeiro consiste na família, no que se desenvolvem as personagens e suas interações. O segundo, que seria o tema principal do longa, consiste no choque cultural sofrido pela família coreana em terras estadunidenses – e que acaba afetando também as interações familiares. Longe do inesquecível, o filme é agradável para quem é especialmente tocado por esse tipo de assunto, é o típico filme “fofo”, mas consideravelmente descartável.

A família Yi já está um pouco habituada com os EUA, porém a mudança da costa oeste para a zona rural do Arkansas demanda uma adaptação mais difícil. Quem tem maior dificuldade é Monica, que, apesar do otimismo do marido Jacob, sente falta das tradições coreanas e não consegue se habituar à nova rotina no novo lar. As crianças sofrem mais com a briga dos pais, mas a vida de todos mudará quando a mãe de Monica passar a morar com eles.

(© Diamond Films / Divulgação)

Aparentemente, Monica não tem a mesma resiliência de Jacob para a vida nova. São quatro os motivos, contudo, que fazem com que ela tenha maior dificuldade em se adaptar. O primeiro é a diferença entre a sua expectativa e a realidade encontrada: a nova casa, um paralelepípedo sobre rodas, não é o que Jacob prometeu (segundo ela mesma afirma), mostrando-se “pior e pior” quanto mais ela a conhece. O design de produção coloca tons castanhos na residência, tornando-a mais depressiva que o intenso verde do gramado fora dela. O segundo é a complexidade do novo trabalho, que é mais demorado para ela do que para o marido. O terceiro é a localização da moradia, distante de um hospital do qual o filho David pode precisar em razão da saúde frágil. O quarto não é novidade no Arkansas, mas resultado da imigração: Monica sente falta dos hábitos coreanos.

Para ajudar a esposa, Jacob parece aceitar a sogra dentro de casa. Na verdade, a vinda de Soonja é um acordo de paz para o casal, cuja relação vem sofrendo uma erosão aparentemente irrefreável. A nova terra representa uma intenção de recomeço, Jacob investe alto para a “busca da felicidade” (expressão do desnecessário subtítulo brasileiro) e acaba fazendo concessões. A primeira é a companhia da sogra – que, ao contrário do que geralmente se esperaria, não coloca o casal em rota de colisão -, seguindo-se a disposição para frequentar a igreja da região. A religiosidade é outro motivo para distanciar Jacob e Monica, pois apenas ela demonstra inequívoca fé. O funcionário de Jacob, Paul (Will Patton, paradoxalmente caricato e verossímil), é um crente fervoroso, condição que agrada apenas Monica. Quando ela conversa com uma colega e esta afirma querer distância das igrejas coreanas, fica claro que apenas Monica quer encontrar a Coreia dentro dos EUA.

Ciente da imigração de coreanos, Jacob pretende plantar apenas frutas e verduras de seu país de origem, pois sabe que os conterrâneos sentem falta da comida local. Mesmo se sentindo confortável nos EUA, ele compreende que nem todos estão nessa situação. O problema é que, no seio familiar, ele quer forçar uma comodidade que só pode surgir naturalmente. De certa forma, Lee Isaac Chung coloca Jacob como o vilão (ainda que, a rigor, não haja um vilão na estória) na medida em que ele relativiza a precariedade da casa (quando há o alerta de tornado) e que usa os filhos – David, em especial – para convencer Monica que a nova vida é sinônimo de felicidade (ao pedir para o filho falar para a mãe que gosta do novo lar). Steven Yeun interpreta Jacob com dureza e vigor, o que é coerente com seu otimismo inabalável e a disposição de forçar um bem-estar geral. Diversamente, Yeri Han imprime em Monica uma fragilidade que combina com a sensação de não pertencimento vivida pela personagem.

Monica, contudo, não é igual aos filhos, tampouco à mãe. David, vivido pelo carismático Alan Kim, é uma criança comum (dorme na viagem, fica impressionado com as rodas, é curioso ao fazer perguntas para o pai etc.) cujo maior desafio é aceitar a presença da avó. A também carismática Yuh-jung Youn domina por completo a personalidade pouco convencional (para uma avó) de Soonja (seu trabalho corporal após um incidente sofrido pela personagem é excelente). Para ela, Jacob e Monica brigam por razões desimportantes, sendo possível conciliar os hábitos coreanos (como a bebida que dá para David) com os estadunidenses (como a água da qual acaba gostando). Anne (Noel Kate Cho), a outra filha do casal, tem claramente um espaço menor, ainda que sofra tanto quanto o irmão quando os pais brigam (a cena dos aviões de papel é verdadeiramente dolorosa).

O ritmo lento de “Minari” funciona para abordar a família e a imigração, porém fica evidente um excesso no desenvolvimento (leia-se, na metade do filme), fazendo com que a obra pareça maior do que realmente é. A trilha musical de Emile Mosseri tem músicas bonitas e capazes de criar uma atmosfera de paz e tranquilidade graficamente concretizada no cenário bucólico de época, porém nada disso estimula emoções intensas. É sintomático que o momento de maior surpresa do filme repousa em um raccord que une a derrubada de uma gaveta com a de uma caixa. O filme é claro em suas ideias e sua mensagem de que o afeto familiar suprime o medo (os incidentes de David ao dormir) e permite superar as adversidades. Entretanto, ao apostar demais na “fofura” das personagens e do plot, ignora a necessidade de emoções mais profundas para se tornar memorável, tendo como resultado a descartabilidade.