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“MISSÃO PRESENTE DE NATAL” – Natal tropical

Para os padrões estadunidenses, Natal e calor não combinam. Quando surge um filme como MISSÃO PRESENTE DE NATAL, no qual a neve é substituída pela areia (das praias), a pretensa novidade soa quase como uma heresia. Contudo, a produção não tem novidade alguma e recicla mal os clichês que utiliza.

Erica é uma assessora parlamentar designada pela sua chefe para trabalhar durante o Natal na base da Força Aérea dos EUA em Guam. No local, ela se depara com a Missão Presente de Natal: os militares, chefiados pelo capitão Andrew, enviam presentes e mantimentos, via paraquedas, para as famílias das ilhas vizinhas. O relatório de Erica deve ser pensado para fechar a base, pois a ideia é cortar gastos. O problema é que o trabalho humanitário e o jovem capitão a sensibilizam, o que pode, todavia, prejudicar a sua carreira.

(© Netflix / Divulgação)

Martin Wood dirigiu seu filme exatamente onde ele se passa: na base aérea Andersen, em Guam. De resultado, ele tem cenários de tirar o fôlego, praias paradisíacas que realmente conseguem encantar no visual. Ainda do ponto de vista estético, é interessante como o figurino de Erica se modifica com o desenrolar da trama: ela chega na praia com vestuário formal e até mesmo salto alto, flexibilizando a formalidade conforme se habitua ao local, usando roupas mais folgadas e tênis. Seu cabelo também começa preso e acaba se soltando, metáfora para a própria Erica, que tem personalidade séria e fechada.

Não que a atuação de Kat Graham seja memorável (é a melhor do filme, o que não significa muito), mas ela consegue convencer no papel principal – ou seja, o problema do filme não é ela. Não é por acaso que o filme se perde justamente quando ocorre o incidente incitante, isto é, quando Erica chega em Guam. Seu parceiro de cena é o limitado Alexander Ludwig, que vive a personificação da perfeição: Andrew é bonito, inteligente, bem-humorado, honrado e extremamente altruísta. Sua unidimensionalidade só é comparável à da deputada Bradford (Virginia Madsen), que, para compensar, é uma vilã disposta a ser o Grinch do filme.

O trato das personagens é deplorável, exceto em relação a Erica, que é relativamente interessante. O conflito entre uma sensação pessoal e a obediência profissional é crível e instigante – melhor seria que o roteiro de Gregg Rossen e Brian Sawyer o tornasse mais real, o que evidentemente não chega perto de acontecer – e o subplot familiar é um ingrediente com potencial para fazer a diferença. Entretanto, no primeiro caso, a solução é simplista e nada plausível; no segundo, o destino é praticamente o esquecimento.

O roteiro tem dois subtextos com algum conteúdo. O primeiro se refere ao afastamento da família no período natalino, assunto que recebe um tratamento adocicado em demasia, mas aceitável em um feel good movie. O segundo, contudo, merecia ser esmiuçado para, quem sabe, assumir um tom crítico: tanto a chefe de Erica quanto o chefe de Andrew tomam decisões sem grandes justificativas, no caso da deputada, elas são bem questionáveis – em uma cena, Erica está trabalhando como personal shopper para a congressista, logo em seguida, é enviada para um trabalho de campo durante o Natal. É possível questionar criticamente a subjetividade exacerbada daqueles que exercem cargos de chefia, porém esse raciocínio não é feito pelo filme. Seria interessante, por exemplo, constranger a deputada perante um colega que discorda da maneira pela qual trata os funcionários.

No entanto, querer um tom crítico seria exigir demais de uma comédia romântica natalina. Ainda que o ritmo de aproximação entre Erica e Andrew seja aceitável – por exemplo, quando ela fala sobre a madrasta, o que seria um assunto privado é dividido de maneira compreensível porque eles já têm algum grau de proximidade e porque foi ela quem começou as perguntas pessoais -, a narrativa tem um desenvolvimento completamente clichê. No começo, eles não se gostam, gastam algumas cenas se alfinetando mutuamente, mas acabam se apaixonando. Isso não é spoiler, é uma obviedade. O roteiro é tão mal elaborado que existe uma cena de gosto extremamente duvidoso, para dizer o mínimo (é aquele em que Erica doa objetos usados, incluindo um espelho, simbolizando a benevolência torpe do colonizador perante o colonizado, um altruísmo dissimulado e enganador).

Nos minutos iniciais, as canções natalinas clássicas em vozes atuais – “Carol of the bells”, de Candice Boyd, e “White Christmas”, de Ceelo Green – pode induzir à ideia de novidade. Com boa-vontade, é possível ignorar o trabalho amador do CGI de lagarto ainda no primeiro ato. Entretanto, previsível e desinteressante, “Missão Presente de Natal” não tem absolutamente nada novo. Quanto ao calor, o mundo é bem maior que o Hemisfério Norte.