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“MOSUL” – Força

Os conflitos armados no Iraque fizeram com que a guerra se tornasse algo cotidiano, a tal ponto que ficou normalizada. Em MOSUL, a equipe dedicada especialmente a enfrentar o Estado Islâmico ostenta uma fama cujo precedente demandou muita energia – para não dizer sangue, é claro. Porém, os policiais não estão cansados. Tampouco seu inimigo.

Baseado em fatos, o filme é uma homenagem aos membros da SWAT de Nínive, que deram a sua vida para combater o Daesh (Estado Islâmico). O jovem Kawa, que é policial há apenas dois meses, é convidado pelo Major Jassem para fazer parte do grupo – que, contudo, desconfia que ele possa ser um traidor infiltrado. Mas não há tempo a perder: após um duro e traumático combate, Kawa e os outros policiais precisam seguir adiante para completar sua missão.

(© Netflix / Divulgação)

Algumas palavras podem parecer fortes, tais como “inimigo” e “traidor”. De fato, elas são palavras fortes, mas não exageradas. Na cidade de Mosul – ao menos de acordo com o filme, é claro -, a realidade é belicista ao extremo, mais ainda na SWAT. O Major Jassem, interpretado pelo ótimo Suhail Dabbach, é um líder inquestionável em razão da sua experiência. Nem sempre, todavia, foi assim: filmado em contreplongée para dar imponência, Jassem recorda os tempos tranquilos em que era investigador, trabalho do qual gostava e, segundo afirma, no qual era bom. Agora, sua bagagem como policial é destinada a enfrentar o Daesh, atividade que poderia demandar frieza, mas que ele desempenha de maneira menos cerebral que se poderia imaginar.

A cena em que Kawa conhece os novos colegas acaba sendo representativa em relação ao choque entre o trabalho policial comum e o da SWAT. O grupo de armamento e táticas especiais não enxerga os (demais) agentes como uma verdadeira força policial. Não por outra razão, Jassem indica para o ex-chefe de Kawa o caminho que ele deve seguir, como se fosse seu superior hierárquico. Entretanto, há que se reconhecer que a SWAT tem realmente diversas idiossincrasias. A primeira delas é que os que atuam junto se consideram uma família (a morte de um membro faz com que Jassem declare ter perdido um filho, enquanto Waleed, seu braço direito, afirma ter perdido um irmão). Além disso, eles têm estratégias muito eficientes: enquanto Kawa aparece encurralado na primeira aproximação, no novo trabalho, é ele quem encurrala os oponentes (na sequência com atiradores em que se dividem).

A evolução de Kawa é bem exposta no trabalho de Adam Bessa. Existem três momentos marcantes na personalidade da personagem: o primeiro é de insegurança (quando o chefe pergunta se sabe o que está fazendo, por exemplo), pois, para alguém sem experiência, a SWAT é um salto gigantesco; o segundo, de inconformismo, pois os novos colegas não confiam nele; o terceiro e último, de amadurecimento. A insegurança se esvai com alguma rapidez, sendo substituída por uma vontade frustrada de abraçar a causa. Os colegas expressamente não confiam nele, razão pela qual não lhe revelam a missão (o que acaba se tornando um problema do roteiro, conforme será explicado). Entretanto, é difícil prosseguir sem saber o porquê de tantos segredos. Com o auxílio de recursos visuais – nomeadamente, um olho roxo, um lenço usado como máscara e uma grande cicatriz -, Kawa é exibido como um jovem que, penosamente, amadureceu.

Visualmente, Matthew Michael Carnahan dirige a película de maneira competente, mas não inventiva. Sobram destroços e ruínas nos vários cenários, sempre com uso intenso das cores verde e areia. Poeticamente, a cor verde aparece nas portas das casas, como se indicasse que a esperança de paz está com os civis (porém, mesmo eles são enxergados como perigosos, pois as armas ficam apontadas para eles também). Ainda na estética, a visibilidade é boa, sem exagero nos cortes ou na tremedeira da câmera na mão. Em meio a muitos tiros e algumas explosões, a trilha musical fica ofuscada, salvo ao final. O que o diretor faz de melhor é explorar a tensão em cenas-chave, como a que Jassem discute com o coronel (vivido por Waleed Elgadi), cena de beligerância latente e resultado pujante, e a que o grupo está no topo do prédio, criando a expectativa de perigo iminente (em especial em relação a Kawa, que não tem a mesma cautela dos colegas e se arrisca entre os buracos na parede).

O que “Mosul” tem de ruim, que lhe acaba sendo bastante prejudicial, é o fato de a narrativa não ter rumo. Como Kawa não é informado pelos colegas sobre a missão, e considerando que o público acompanha a trama a partir da sua perspectiva, público e protagonista acompanham cegamente uma trajetória – isto é, sem saber o destino e até mesmo circunstâncias de menor relevância (por exemplo, a necessidade de suborno no posto de checagem). Com isso, o texto de Carnahan se torna repetitivo, com troca de tiros e mortes sem fim, para que haja uma revelação final que, mesmo tocante, não justifica a cegueira do desenvolvimento. Diversas ideias são sólidas, principalmente a inexistência de piedade em relação ao Daesh (ao contrário, a morte de seus membros deve ser, se possível, dolorosa) e a normalização da guerra (“nicotina e armas vão salvar o mundo”, afirma o coronel com palavras que soam amargas aos ouvidos do espectador). Porém, falta solidez no desenvolvimento da trama, que subsiste forte apenas no início e no fim.