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“MUSIC” – Uma das melhores cantoras em atividade

O que Sia apresenta com MUSIC, seu primeiro trabalho na direção (ao menos em longa-metragem), não é um filme, mas uma antologia de clipes musicais. Seu pior defeito, contudo, não é esse. Falsamente inclusivo, caricato e manipulador (ao menos em tese) são alguns dos adjetivos que lhe cabem.

Acostumada com a liberdade e o afastamento em relação à família, a vida de Zu está prestes a mudar quando recebe a notícia de que será a nova guardiã de sua meia-irmã, Music. O grande desafio de Zu se torna não apenas cuidar de Music, mas amá-la após compreender como funciona o transtorno do espectro do autismo (TEA) em relação a ela.

(© Cinecolor do Brasil / Divulgação)

O longa é falsamente inclusivo porque a atriz que interpreta Music, Maddie Ziegler (que é na verdade uma bailarina que já apareceu nos clipes de Sia), não tem a condição da personagem. Em 2021, isso se torna digno de censura, sobretudo considerando que existem atrizes com TEA (ou seja, a condição não é impeditivo). Ainda mais grave, a atuação de Ziegler é assustadoramente caricata, o que vai de encontro com qualquer proposta inclusiva. Mesmo considerando tratar-se de um espectro (a ideia no uso do termo é que as manifestações variam consideravelmente, a depender da pessoa), há um exagero que sequer precisaria existir.

O que tampouco precisaria existir são os coadjuvantes, flagrantemente maltratados pelo roteiro de Dallas Clayton e a idealizadora do projeto, Sia (que produz, dirige, escreve e atua nele). Hector Elizondo não tem em George uma personagem, mas uma ferramenta facilitadora na estrutura do péssimo script. O Felix de Beto Calvillo tem uma subtrama, é verdade, porém ela é injustificada, sem profundidade e sem nexo algum com a trama principal. Ben Schwartz repete em Rudy o papel excêntrico de “Parks and recreation” – o problema é que o perfil é coerente em uma série de comédia, o que não poderia estar mais distante de “Music”.

As três personagens principais são Music, Zu e Ebo. Mesmo de cabeça raspada, Kate Hudson é inconfundível e se esforça para dar sobriedade a Zu, mas o roteiro é incapaz de dar-lhe humanidade. Situação idêntica é a de Leslie Odom Jr., que tenta fazer de Ebo alguém simpático. Nos dois casos, o que se tem são extremos: Zu é errada demais; Ebo, “certinho” demais. Ela é irresponsável, já praticou crimes e não pensa em ninguém além de si mesma; ele está sempre pronto para cuidar e ajudar quem necessita, deve atravessar a rua sempre na faixa de pedestres e consegue ser altruísta mesmo diante de quem o traiu. A interação do trio não é de todo ruim, mas deixa a desejar especialmente no último ato, quando o ápice dramático aparece no filme com a sutileza de um rinoceronte correndo e a solução dada surge como mágica.

Sutileza não é uma qualidade artística de Sia, basta ver seus clipes. Em “Music”, ela dirige uma sequência grande de clipes (e não um musical), cuja qualidade sonora é comparável apenas à pobre unidade visual. Vale repetir: a produção não é um filme, mas um agrupamento de clipes musicais de gosto duvidoso (sonora e imageticamente) com uma narrativa muito mal conduzida. A montagem é completamente incapaz de dar organicidade nas transições para as apresentações musicais, que se tornam claramente prioritárias face ao projeto de filme que existe ali. Há um equívoco, também, de concepção: se os clipes são momentos de subjetividade mental de Music, a montagem erra ao intercalar com imagens reais, as letras não se justificam e há uma contradição relativa a Zu (não poderia haver um ato musical na ausência da mais jovem).

Sia parece estar dirigindo um de seus clipes, ainda mais considerando a monocromia da estética visual, que na verdade reforça o viés infantil da obra, presente também nas coreografias, nos figurinos e nas letras das canções, por exemplo. As canções, por sinal, usam a via da pieguice (ao tratar sobre insegurança, amar sem medo, beleza interior etc.) para extrair emoções da plateia. Entretanto, meios baratos não conseguem atingir emoção autêntica. Os elementos fílmicos precisam ter um propósito: excessos visuais (como o uso constante de lentes grande-angulares, distorcendo a imagem independentemente da coerência) e sonoros (a música, como dito, prevalece sobre o filme) estragam o que já seria ruim sem eles. A julgar por “Music”, como diretora, roteirista e produtora, Sia é uma das melhores cantoras em atividade.