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“NÃO ABRA!” – Mais do mesmo sem brilho

Ao longo da história do cinema de terror, muitas produções utilizaram o imaginário cultural de povos e nações para evocar o que pode causar medo. A prática segue firme até hoje com resultados mais ou menos inspirados, abordagens mais ou menos criativas. Os casos bem sucedidos são, por exemplo, “O homem de palha” e “A chorona” sobre, respectivamente, o paganismo ancestral e a cultura dos povos originários. Outros casos não têm o mesmo sucesso, como “A maldição da Chorona” e NÃO ABRA!, que ofuscam as particularidades culturais em meio à padronização preguiçosa da narrativa.

(© Imagem Filmes / Divulgação)

Em “Não abra!“, Sam é uma adolescente indiana que vive em um subúrbio dos EUA com a família e se desentende com a mãe tradicionalista. Ao mesmo tempo, ela se sente apreensiva com a mudança de comportamento de Tamira, uma antiga amiga de infância, que começa a agir de forma estranha ao carregar um pote vazio o tempo todo. Em um momento de discussão entre elas, a jarra é quebrada e libera uma força demoníaca que sequestra Tamira e persegue Sam.

Se existe um mérito no trabalho do diretor Bishal Dutta, este é o estilo direto da construção do conflito e da atmosfera. A narrativa não faz rodeios para estabelecer o que será visto, a essência do horror e as implicações para os personagens. Todas as dinâmicas são apresentadas, sendo elas do núcleo central ou coadjuvante. Os atritos entre Sam e a mãe Pooma dizem respeito à observância ou não dos costumes indianos em outros país, os esforços da jovem para se sentir integrado à escola e aos colegas coincidem com o amadurecimento da vida adulta e o sentimento de exclusão de Tamira se expressa tanto pelos efeitos do sobrenatural quanto da discriminação das demais pessoas. A ambientação do terror também logo se revela quando a primeira sequência mostra as consequências possíveis da ação do demônio e, em algumas cenas depois, a jarra se quebra para colocar Sam, Tamira e todos ao seu redor em grande perigo sem precisar adiar o que realmente importa para a trama.

No entanto, os méritos iniciais se diluem a partir do instante em que a cultura indiana, a princípio parte significativa da narrativa, fica subaproveitada. Na realidade, as crenças, os rituais e os traços assustadores do imaginário do país são meros chamarizes para atrair a curiosidade de alguns espectadores ou sugerir algum nível de diversidade social e cultural que jamais se efetivam. Os momentos em que a família da protagonista recebe visitantes para uma cerimônia religiosa tradicional ou que a criatura demoníaca é assimilada dentro da mitologia da Índia não trazem qualquer especificidade própria daquela cultura, podendo ser substituída pelas tradições de outros povos sem maiores prejuízos para a história a ser contada. Além da possibilidade de substituição, o terror cultural em si se esvazia progressivamente ao longo do tempo e se aproxima de qualquer obra do subgênero sobrenatural que insere um demônio na história sem dar a ele alguma base social. Nesse sentido, a incorporação da representatividade tem como objetivo puro e simples a mercantilização/padronização de uma cultura não estadunidense para lucrar com base no discurso da abertura para as diferenças.

O próprio demônio é um sintoma visível do uso preguiçoso e genérico de um imaginário cultural como fonte de horror. Inicialmente, a apresentação visual gera algum interesse porque não mostra a criatura, somente a violência por ela praticada em um ambiente fechado, repleto de uma iluminação vermelha e com uma figura em agonia sendo torturada. À medida que a narrativa avança, Bishal Dutta não consegue relacionar este mal à cultura indiana, fazendo com que as referências anteriores a uma ameaça que surge por conta do preconceito contra o outro e sua respectiva exclusão não sejam trabalhadas por todo a obra. Além disso, a definição da criatura é bastante instável, dando a sensação de que os realizadores não se decidem se ela seria um fantasma, um demônio ou um monstro, afinal a cada instante os diálogos sobre ela e suas aparições sugerem visões diferentes e conflituosas. E quando esta ameaça sobrenatural ganha o centro do quadro, o impacto é reduzido, pois a indecisão sobre o que ela é torna sua concepção visual desinteressante e esquecível.

Da mesma maneira que a cultura indiana é utilizada como pretexto para o filme se considerar inclusivo e diverso, os apelos do terror não têm qualquer dose de criatividade. Não é preciso esperar originalidade (até porque criar algo absolutamente inédito é raro após tantos anos de cinema), mas é possível dar uma abordagem própria do cineasta para algo já existente. E é justamente essa prática criativa que falta a uma narrativa sem identidade que simplesmente repete momentos consagrados no subgênero sobrenatural, realizados com mais eficiência em outros filmes. Há a cena de susto em que a protagonista acorda de um pesadelo ou tenta investigar com um colega as origens do mal e se depara com um perigo mortal, em que uma professora é assombrada e atacada por uma força invisível na escola fechada à noite e em que um ritual de proteção contra o demônio é feito em torno de algumas personagens. A cada repetição genérica, a narrativa parece cada vez mais uma emulação de outros projetos incapaz de provocar reações no público por suas próprias escolhas artísticas.

A falta de uma identidade específica que o retire do lugar comum óbvio se reflete igualmente nas cenas teoricamente violentas. Existe um esforço significativo para tornar uma trama que tem ataques brutais de um demônio, torturas prolongadas antes de um assassinato e tentativas de controle sobre as almas das vítimas a mais limpa possível. A sequência em si possui uma violência considerável, mas Bishal Dutta encena esses momentos como se nada realmente doloroso atingisse os corpos dos personagens. Possivelmente, o caso mais contraditório é a morte de um colega de Sam, causada por golpes violentos que não produzem os efeitos correspondentes. Este pode ser mais um esforço mal sucedido de “Não abra!” de parecer assustador, mas não tão assustador assim para atrair os interessados pelo gênero sem afastar aqueles que não gostam tanto; de parecer culturalmente relevante, mas trazendo a cultura indiana como adereço vazio. Tanto esforço apenas leva a uma conclusão que tenta usar a fórmula de desfecho feliz que não é tão feliz assim para, efetivamente, ser uma experiência sem brilho.