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“NASCE UMA ESTRELA” – Será que nasce?

Depois de três versões, surge uma quarta para NASCE UMA ESTRELA (há quem acrescente “A verdade sobre Hollywood”, de 1932, cujo plot é quase idêntico). Janet Gaynor (1937) foi nomeada ao Oscar, assim como Judy Garland (1954 – a melhor versão). Barbra Streisand (1976) ganhou o Globo de Ouro (mas a versão recebeu o prêmio da Academia apenas na categoria de melhor canção, para “Evergreen”). Seria a versão de 2018 a consagração de Lady Gaga?

No longa, Ally é uma jovem que sonha com o estrelato como cantora, porém não acredita ter chances por se achar feia. Quando ela conhece o renomado cantor Jackson “Jack” Maine, parece que o sonho vai se realizar. Jack é viciado em álcool e drogas, mas fica encantado por Ally, que o quer longe dos vícios. Esse é o primeiro fator que pode afetar o relacionamento entre eles – aliado à queda livre que ele sofre na sua carreira, proporcionalmente oposta à ascensão dela.

Se a produção pretende exaltar Lady Gaga como atriz, não parece que vai ser essa a oportunidade. Não por culpa da artista, que se dedica e vai bem no papel de Ally. O problema está justamente no papel: entre rompantes inverossímeis (por que dar aquele soco?) e uma personalidade tímida não muito convincente, Ally é uma personagem questionável. Gaga vai bem nos dois momentos da personagem (antes e depois da fama), com uma caracterização (no sentido mais amplo possível) condizente com essas fases – das versões acústicas ao uso de playback, do cabelo natural ao ruivo, do figurino fosco ao brilho de uma popstar. A rigor, após a fama, Ally tem uma personalidade muito mais sólida, já que, antes, começa com um namorado narrativamente inútil, um flerte desajeitado com Jack e uma versão incoerente de “La vie en rose” (estranha escolha, considerando a pronúncia insatisfatória do francês). O conforto de Ally no palco não é condizente para alguém tão envergonhada de si (mesmo considerando o mascaramento da própria imagem, com maquiagem propriamente dita, sobrancelhas falsas e cabelo pintado). Ainda, considerando que é ela a estrela, a trajetória narrativa da personagem não é muito satisfatória, em especial porque fica à sombra do companheiro boa parte do tempo. Problemas de roteiro, mas não da atuação, que é de bom nível.

Do outro lado está um astro dentro e fora das telas: Bradley Cooper divide-se entre a atuação ao lado de Gaga e a direção do longa (seu primeiro trabalho na função). Jack constitui uma personagem mais complexa tanto quando comparado com Ally como quando comparado com o parceiro da estrela nas versões anteriores. Ao vício (drogas e álcool) foram adicionadas uma doença e uma relação familiar tormentosa (no segundo caso, a participação do veterano Sam Elliott é impactante). Mesmo considerando que o roteiro é raso na parte dramática (os três desafios de Jack recebem uma abordagem simplista, salvo a dependência, que, como dito, é repetição das versões pretéritas; Ally praticamente se resume, nesse ponto de vista, a uma mulher com autoestima baixa), Cooper é um ator tão talentoso que sua interpretação fornece mais do que o texto. Embora ela seja a protagonista, não seria exagero afirmar que quem brilha é ele.

Afinal, para um primeiro trabalho na direção, Cooper é mais que satisfatório. Na direção de elenco, extraiu de Gaga uma atuação muito boa, acertando também nos closes de toques (Jack e Ally constroem uma relação intensamente táctil) e no uso enfático de contraluz (o que faz sentido considerando que a dupla principal passa boa parte do tempo em palcos). E Cooper, ainda que pontualmente, consegue emocionar o espectador (ignorando o público mais sensível, que se emociona com grande facilidade). Musicalmente, o filme é excelente: não apenas a trilha musical é de alta qualidade (ambos cantam bem tecnicamente e com interpretação das canções, o que nem todo cantor consegue) como duas das músicas rendem os melhores momentos. Quando Jack e Ally dividem “Shallow” no mesmo microfone, a química entre Cooper e Gaga, que já era perceptível, explode em um dueto sensacional; quando ela canta “I’ll never love again”, uma composição linda acompanhada de orquestra, parece que a voz da cantora penetra no âmago do público com uma mensagem de amor imensurável.

Percebe-se facilmente que a maior falha da produção reside no roteiro, escrito por Eric Roth, Will Fetters e, claro, Bradley Cooper, mas baseado no original de William A. Wellman e Robert Carson. O script de quatro atos (que, a despeito disso, não resulta em um filme cansativo) quase oculta, acidentalmente, mensagens pertinentes como a futilidade da indústria da música (muitas vezes mais focada na aparência do que no significado da arte), a hipocrisia de alguns artistas (como um usuário de drogas que ajuda a promover um evento à saúde) e a necessidade de atribuir um sentido à música cantada. Jack ensina a Ally que não basta que ela tenha talento, mas que ela precisa transmitir uma mensagem sincera e autêntica, algo que nem todos buscam, mas que é o que garante o sucesso duradouro e a legitimidade (do seu ponto de vista) do produto artístico. O problema é que esse discurso perde força à medida que Ally adota justamente esse caminho (e causa estranheza que ela tenha tão pouca autonomia na carreira quando comparada a ele, mesmo considerando o tempo de estrada), percebe, mas permanece inerte.

“Talvez seja hora de deixar morrer os velhos hábitos” e “isso não é típico de mim” são exemplos de canções interpretadas por Jack e Ally com conexão com a narrativa (ao contrário de alguns musicais em que as músicas parecem incongruentes em relação às suas respectivas narrativas). Musicalmente, “Nasce uma estrela” (o de 2018) é ótimo. No romance também é bom, sendo fraco, todavia, no drama, em razão de um roteiro que deixa a desejar. Gaga e Cooper já eram estrelas antes do longa e continuarão sendo após ele. O que nasce da obra é algo maior que a cantora e o ator: uma atriz competente e um diretor razoável. Agora que nasceram, poderão se desenvolver.