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“NO ADAMANT” – Insuficientemente singular [47 MICSP]

* Filme vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim.

O que há de especial em NO ADAMANT não é o filme enquanto tal, porquanto se trata de um filme simplório em muitos sentidos. O que encanta no longa é a ideia humana que há por trás do projeto retratado, algo que, ainda assim, não é incrível ou mesmo original. Louvável, mas não único. Elogiável, mas insuficiente para engrandecer o filme.

Em Paris, no rio Sena, uma embarcação: eis o Adamant. Não se trata de uma embarcação comum, mas de um centro psiquiátrico onde os pacientes são tratados de maneira nada ortodoxa. Diariamente, o Adamant recebe adultos com transtornos psiquiátricos para ajudá-los no tratamento e no próprio ânimo. O que faz o documentário é mostrar a rotina da instituição, com seus pacientes e cuidadores.

(© France 3 Cinéma / Divulgação)

Nicolas Philibert apresenta a um público um documentário pobre em termos cinematográficos, por três razões. Em termos estéticos, tudo é bastante óbvio, como filmagens externas no início e no final para simbolizar o ingresso e a saída da embarcação (e planos fechados praticamente em todo o resto do filme), e o naturalismo fruto da quase ausência de músicas extradiegéticas.

Há no longa dois tipos de cenas documentadas. O primeiro tipo é o de entrevistas, em que os pacientes são filmados em primeiro plano, com interferências discretas da equipe da produção. É o que ocorre, por exemplo, quando Muriel pergunta a Érik (Érik Ménard, engenheiro de som que está captando sua fala) e ao próprio Nicolas – fora de campo, mas provavelmente o diretor, que é também corroteirista (com Linda De Zitter) fotógrafo e editor – se o material de filmagem é de sua propriedade. O segundo tipo é o de interação em grupos (organizando e planejando workshops variados), quando não ocorre participação alguma da equipe, exceto para coletar imagens e sons. O trabalho, nesse sentido, é básico.

Certamente, em se tratando de um documentário observativo, a distância da direção é medida imperiosa. Entretanto, causa estranheza a existência de explicações apenas ao final (de certo modo, o que deveria servir de introdução aparece em um texto final). Além disso, um defeito considerável é que o material apresentado parece insuficiente, tendo em vista que as cenas, em determinado momento, se tornam repetitivas. Philibert revela inabilidade em criar uma narrativa documental, pois na realidade o filme poderia continuar indefinidamente, com mais e mais cenas em que os pacientes seguem sua rotina.

A rotina retratada deveria ser o grande diferencial do longa. Entretanto, como já mencionado, existem projetos similares em hospitais; situação distinta seria se fosse uma ideia completamente inédita. É interessante que, no Adamant, se compreenda que a arte é uma poderosa forma de expressão, uma verdadeira terapia que estimula tanto quem a elabora quanto quem a contempla. Música, costura, fotografia, literatura: são várias as manifestações artísticas usadas de maneira terapêutica. O desenho e a pintura, no documentário, acabam sendo as vias artísticas mais repetidas, com exercícios interpretativos precedidos da apresentação do autor da obra.

Nesse sentido, “No Adamant” encontra força no carisma dos pacientes da clínica, como Nadija, Muriel e François. São pessoas com psicopatologias, mas que não por isso devem ser submetidas a um cárcere, de modo que o filme se preocupa em mostrar que elas têm consciência até mesmo da sua situação. François chega a admitir que, sem os remédios, ele simplesmente “surta”. Em seus depoimentos, elas revelam, igualmente, o reconhecimento de que a condição é difícil, um drama que pode ser voltado ao pretérito (a história da mãe e seu filho) ou a um presente incessante (o rapaz que se assusta com barulhos).

Pensado desse modo, não faria sentido ignorar que o documentário é muito humano, estimulando a empatia por pessoas marginalizadas. Isso, contudo, não o torna diferente de muitos outros. É essa, justamente, a questão: não há nada que particularize “No Adamant”, ao menos não o suficiente em termos de linguagem cinematográfica ou de realidade documentada. É possível se comover com o drama dos pacientes psiquiátricos, mas esse drama poderia ser filmado em qualquer clínica especializada, provavelmente de forma ainda mais melancólica. Estranhamente, o que poderia singularizar a obra – o fato de a clínica ser em uma embarcação – é pouco utilizado, o que reafirma que os fatos documentados não são tão extraordinários quanto podem parecer.

* Filme assistido durante a cobertura da 47ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).