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“NO RITMO DO CORAÇÃO” – Capaz e incapaz

Com um péssimo título brasileiro e uma estrutura narrativa clichê, NO RITMO DO CORAÇÃO, remake de “A família Bélier”, tinha tudo para ser apenas mais um filme qualquer. Não que ele seja especialmente memorável, mas seu clímax tem força suficiente para arrancar lágrimas mesmo das plateias mais insensíveis.

Ruby é a única que escuta em sua família, ao passo que seus pais e seu irmão são surdos. Com isso, ela se torna a intérprete do trio tanto nas atividades rotineiras em que precisam se comunicar com outras pessoas como no trabalho de pesca que exercem. Na escola, ela entra para o coral, confirmando o amor que já sentia pelo canto. Entretanto, o estudo da música se torna cada vez mais difícil para Ruby, tendo em vista as dificuldades enfrentadas pelos pais no trabalho, precisando mais do que nunca da ajuda da filha.

(© Diamond Films / Galeria Filmes / Divulgação)

O primeiro – e provavelmente o maior – problema do roteiro da também diretora Sian Heder é a maneira como trata pessoas surdas, que não é desrespeitosa e é realista, porém imprecisa e generalista. Não há dúvida que pessoas surdas encontram maiores dificuldades para interagir socialmente, obstáculo encontrado também, como não poderia deixar de ser, na maioria das atividades laborais. É positivo, ainda, que o longa mostre que a vulnerabilidade sentida pelos pais de Ruby não é partilhada por seu irmão, que declara expressamente que “não são indefesos”. No entanto, pouco é explorado nesse sentido: Leo (Daniel Durant), o irmão, de fato encontra maneiras de se comunicar, mas isso aparece de modo claro em apenas uma cena (a do bar), prevalecendo a dificuldade maior dos pais.

No mesmo sentido, o filme não estabelece que pessoas surdas são incapazes de apreciar a música (o que seria uma inverdade), mas é extremamente tímido nesse quesito. Exceto pela cena em que os pais buscam Ruby na escola, não é mostrado como as vibrações dos sons podem por eles ser apreciadas – aliás, mesmo nessa cena o foco está longe de ser esse.

Troy Kotsur faz de Frank um pai carismático e com tom verdadeiramente paternal, contudo o mesmo não pode ser dito da Jackie de Marlee Matlin, que entende o afeto materno como falta de confiança na filha (sentindo-se propensa a não querer que ela cante pelo mero fato de cogitar que ela canta mal) e como sufocamento em relação às atividades exercidas (confirmando o desejo de não ter a filha cantando ao considerar que ela é indispensável para o prosseguimento do negócio da família, sem espaço para nada mais). O diálogo sobre relacionamento mãe e filha tenta corrigir o exagero, sem êxito.

Outro defeito de “No ritmo do coração” (“CODA”, no original, sigla que significa, em tradução livre, “criança de família surda”) é o engessamento de sua estrutura narrativa. Moldado no esqueleto da jornada do herói, o encaminhamento do arco narrativo de Ruby é de uma obviedade que, se fosse o oposto, daria mais autenticidade à obra. O clímax dramático emociona não por sua construção narrativa, mas pelo simbolismo da cena e pelo trabalho de Emilia Jones, cuja belíssima voz, aliada à competência interpretativa, faz com que o público se encante com sua Ruby. Seu carisma é capaz de ofuscar falhas do script, como a timidez da protagonista em cantar perante outras pessoas (algo que surge e é magicamente resolvido e claramente descartado), ou falhas externas a ela, como a incapacidade de seu parceiro de cena Ferdia Walsh-Peelo, como Miles, em transmitir sentimentos. Mesmo quando a diretora acerta na mise en scène (por exemplo, quando Ruby e Miles cantam de costas um para o outro), a inexpressividade do garoto, enquanto defeito, mina em parte as qualidades do longa.

Por outro lado, a direção não é ruim (ainda que não seja, tampouco, extraordinária) e usa a subjetividade mental com inteligência. Na cena com Frank, Leo e a monitora, o que esta fala em determinado momento não é ouvido, para que o espectador se sinta como os outros dois. O mesmo ocorre em uma das oportunidades em que Ruby canta, o que é capaz de transmitir com força a sensação angustiante de não poder exercer um dos cinco sentidos como outras pessoas, na mesma oportunidade e no mesmo contexto, podem.

A sequência da jornada do herói torna óbvios alguns momentos da narrativa. Por exemplo, o primeiro encontro com o mentor, o professor Bernardo Villalobos (Eugenio Derbez, muito fraco), torna-se falso porque, evidentemente, a antipatia inicial é uma máscara para um ajudante da protagonista (que será fundamental para orientá-la em sua trajetória). “No ritmo do coração” não é um filme ruim, inclusive porque, como dito, é capaz de arrancar lágrimas da sua plateia. O que ele não é capaz é de surpreendê-la.