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“O AMOR DE SYLVIE” – Romance à moda antiga

Um romance ficcional que se passa no pretérito deve ser fiel à época em que se passa. O AMOR DE SYLVIE tem dois problemas resultantes dessa fidelidade. O primeiro é o uso de clichês e eventos previsíveis que tornam a trama insossa. O segundo, mais grave, é a possível problematização, a partir do olhar contemporâneo, de uma narrativa ultrapassada.

Sylvie é uma moça que, enquanto aguarda seu noivo retornar de viagem, conhece Robert, um rapaz por quem se apaixona. Os dois trabalham juntos no Harlem e são de classes sociais distintas, mas a paixão é forte demais para resistir. Na Nova Iorque das décadas 1950 e 1960, contudo, a celebração do amor encontra vários obstáculos.

(© Amazon Prime Video / Divulgação)

Eugene Ashe é competente para transmitir o Zeitgeist em seu longa. De maneira didática, porém plausível, a mãe de Sylvie a ensina que não é correto elogiar um homem, menos ainda quando ele vem de classe social mais baixa. Trata-se de um período no qual a mulher precisava negociar com seu marido o trabalho fora do lar, como se fosse uma conquista dependente da bondade masculina. Citações a nomes da época, como Stevie Wonder e Bill Haley, ajudam a ampliar a atmosfera da época – o que também faz o design de produção, que é certeiro nos cenários.

O problema é que “O amor de Sylvie” cria a expectativa de subversão do machismo da época, o que, todavia, frustra o espectador porque Sylvie limita-se a flertar com tal rebeldia. Talvez tivesse sido mais interessante colocar sua prima, Mona (Aja Naomi King, lamentavelmente mal aproveitada no papel), como protagonista. Ambas são jovens, mas Mona é quem se mostra disposta a se divertir (dançando mambo com um homem que acaba de conhecer, por exemplo), ao contrário da (inicialmente) retraída Sylvie. No figurino, Mona usa mangas curtas, decotes e estampas coloridas, ao passo que a protagonista é muito mais tímida nesse quesito. Sylvie amadurece e se torna relativamente independente, porém a independência nunca tem a força necessária para enfrentar a masculinidade tóxica que a cerca. Para não expor muitos spoilers, basta citar a ligação de seu pai e a fala “que tipo de homem eu seria?”.

É verdade que essa reflexão é produto de uma época diferente. Em 1950 ou mesmo em 1960, era de se esperar que a mulher se submetesse ao arbítrio e aos abusos dos homens ao redor. Além disso, “Sylvie’s love” (no original) tem algumas virtudes. A principal delas é a trilha musical, na qual o jazz, além de combinar com a narrativa, embala cenas belíssimas – a principal é a que toca “To be loved”, quando o casal dança no meio da rua à noite. Fabrice Lecomte compôs músicas excelentes para a película, enriquecendo um roteiro deveras frágil. A riqueza está presente não apenas no jazz original, mas com clássicos como “Quizás, quizás, quizás” e “The shadow of your smile”. Também a utilização das canções é boa: “Fly me to the moon” toca quando Sylvie alcança uma realização pessoal que não esperava.

Não obstante, há um defeito grave de escalação no filme: Tessa Thompson tem trinta e sete anos, mas precisa atuar em um papel muito mais jovem. Em uma parte da narrativa, Sylvie tem cerca de vinte anos (vinte e cinco, no máximo). Quando Connie (Raquel Horsford) diz que Robert (Nnamdi Asomugha) está trabalhando como babá de Sylvie, quase tão difícil de crer que Thompson tem vinte anos é acreditar que Asomugha, que tem apenas dois anos a mais que a atriz, seria babá dela. Em outro momento da narrativa, ela tem cinco anos a mais, ou seja, alcançaria, no máximo, trinta anos. O trabalho de rejuvenescimento de Thompson simplesmente inexiste, de modo que seria melhor colocar uma atriz bem mais jovem e, se fosse o caso, envelhecê-la no momento oportuno. Na prática, isso prejudica demais a produção, pois não é possível acreditar que uma mulher de trinta e sete anos esteja falando em baile de debutante como se isso fosse parte de seu passado recente. Dito de maneira mais simples: não é possível “comprar” a atriz em um papel feito para alguém bem mais jovem.

Percebe-se que o filme mira a fidelidade em relação à época. Contudo, a narrativa não apenas se desenvolve a partir de coincidências pouco plausíveis (Sylvie aparece justamente quando Connie tira o casaco para Robert) como se revela previsível ao extremo, afastando-se do mínimo real necessário para que a plateia se sinta envolvida no romance. O amor se torna artificial porque o filme esbanja artificialidade, usando até mesmo clichês como o da mulher flagrada dançando sem perceber que seu interesse afetivo a assiste e o do rapaz que atira pedra na janela da moça para chamá-la sem que outros percebam. “O amor de Sylvie” é um romance à moda antiga, o que não é, nesse caso, um elogio.