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“O DATE PERFEITO” – Adolescentes superficiais

De acordo com o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre, “a existência precede a essência”. Na sua concepção, o ser humano primeiro existe, para depois constituir-se; primeiro ele é nada, depois ele é ser. Essa condição humana também vale para Brooks, protagonista de O DATE PERFEITO. Entretanto, a situação de Brooks é mais complicada: diante da ausência de essência particular e única, ele abriga em si inúmeras essências. Ele é tudo, mas acaba descobrindo que, sendo assim, é nada.

A premissa do longa é o objetivo de Brooks em angariar dinheiro para financiar sua faculdade – ele sonha com Yale, mas sabe que, apesar das boas notas, a situação financeira pode ser obstáculo. Para atingir a meta, ele pede para o melhor amigo criar um aplicativo para celular através do qual ele é contratado por garotas que precisam de um acompanhante para qualquer situação. Com o tempo, ele descobre que as personalidades adotadas nessa atividade não definem quem ele é, pergunta cuja resposta ele também desconhece.

Cartaz de “O date perfeito

A ideia do roteiro de Steve Bloom e Randall Green parte de reflexões existencialistas profundas, porém seu grande erro é o subdesenvolvimento da matéria. O protagonista (demora, mas) percebe não saber quem é, tendo um itinerário superficial na jornada (a solução para seu conflito principal é pavorosa). Ignorando inverossimilhanças no texto, a narrativa é artificial em diversos momentos e apenas finge não ser raso. Por exemplo, o sidekick do protagonista tem um arco dramático interessante e abordado sem sensacionalismo, porém a personagem parece oca diante de tanto potencial desperdiçado. Não obstante, Odiseas Georgiadis é convincente no inconformismo de Murph, mesmo que o inconformismo em si seja mal trabalhado na narrativa.

Ironicamente, o longa critica (ainda que de maneira branda) a superficialidade dos adolescentes, ignorando que a própria película também padeça desse mal. Brooks e Celia, a dupla principal, têm seus crushes, contudo o interesse gerado neles é meramente estético – com uma obviedade abissal, ambos se decepcionam (ao menos Franklin, interesse de Celia, é um pouco engraçado). Celia tem razão quando denuncia a Brooks que ele está errado ao contar com fatores externos para a própria felicidade, contudo é paradoxal que ele não se aceite (segundo ela), já que não formou a própria essência.

Brooks é um adolescente standard que se surpreende quando a orientadora do colégio aponta pela necessidade de se conhecer melhor. Ele tem planos ambiciosos (“mudar o mundo”), mas não sabe como colocá-los em prática (o que precisa ser mudado?). Seu serviço como acompanhante surge por oportunismo, porém o resultado advém mais da interação com Celia do que dos dates. Quanto a estes, extrai-se que o jovem consegue assumir identidades variadas – ele é extremamente versátil, transformando-se no namorado que a garota contratante sonha -, sem formar a própria, viciando nesse vácuo a ser preenchido.

Embora os encontros sejam divertidos, a montagem elíptica impede que esses momentos sejam bem aproveitados. Se a intenção é deixar claro o quão versátil Brooks consegue ver, trata-se de uma tentativa vã: a despeito de trajes e falas mutantes, Noah Centineo não sai da mesma personagem, o que é um problema em um papel tão flexível. Em outras palavras, se o protagonista precisa se transformar a cada date, assumindo identidades das mais variadas, é problemático que o ator não consiga imprimir a indispensável mutabilidade – figurino algum garante que ele seja permeável; nas falas, há um esforço em mexer na entonação de acordo com o discurso, todavia o ator é limitado demais para interpretar alguém que assume identidades sem ter uma própria. O papel é maior que o intérprete, que conta apenas com o carisma.

Por outro lado, Celia é uma personagem interessantíssima. Não apenas Laura Marano garante a ela emoções autênticas como o perfil sólido é bastante crível. A garota tem uma atitude rebelde – o figurino de Ann Walters é exagerado na eloquência, mas eficaz desde o primeiro minuto em que ela aparece -, fazendo com que o sarcasmo seja mecanismo de defesa para a própria insegurança (daí a maior facilidade de convencimento). Celia tem as cenas mais engraçadas (em especial quando está com Franklin, vivido por um divertido Blaine Kern III) e protagoniza o momento mais subversivo, no ato final, contudo o desfecho não conta com tanta ousadia.

Se o roteiro deixa pontas soltas (como pode criar um conflito externo para Brooks, mencioná-lo algumas vezes e não chegar perto de uma solução!?), a direção de Chris Nelson em nada colabora para que o resultado seja melhor. Seu trabalho não é ruim, mas está longe de ser realmente bom. O filme parece ser feito, do ponto de vista da composição visual e sonora, de modo randômico: a fotografia esbanja uma paleta de cor azul que perde simbolismo em razão da explosão estética; a trilha musical é jovial e não chega a ser desconexa, mas definitivamente não é marcante. Quando Celia e Brooks concordam sobre si mesmos, a fala “somos adolescentes superficiais” é incompleta: são adolescentes superficiais em um filme superficial. Ao menos existe coerência nesse quesito.