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“O ESQUEMA FENÍCIO” – Belo como sempre, chato como nunca

De maneira geral, assistir a um filme de Wes Anderson implica assistir a todos os seus filmes. Isso porque o diretor adota uma fórmula para seus filmes, baseada no gênero e no estilo. Como resultado, ele costuma entregar um padrão mínimo de qualidade. Em O ESQUEMA FENÍCIO, o cineasta mantém o estilo, mas muda o gênero. Como resultado, cai muito o padrão de qualidade.

Zsa-zsa Korda é um próspero empresário que decide deixar toda a sua herança para Liesl, sua filha, em detrimento dos demais filhos. O problema é que a jovem havia decidido se tornar freira e que, até então, acreditava que Korda havia matado a sua mãe. Em um cenário de espionagem empresarial, o pai apresenta à filha um plano de alavancar seu comércio ao mesmo tempo em que tenta provar que foi o homicídio foi perpetrado pelo tio da garota.

(© Universal Pictures/ Divulgação)

O roteiro do longa é escrito pelo diretor Wes Anderson, a partir da história desenvolvida por ele junto de Roman Coppola, criando duas tramas concomitantes. Na primeira está a sabotagem no aumento do valor de um produto de seu comércio, o que leva Korda a renegociar participações com seus sócios. É aqui que a narrativa avança, inclusive com pontuações escritas demonstrando o percentual de cada sócio. Nessa empreitada, surgem coadjuvantes de luxo em termos de elenco – nomes como Riz Ahmed, Tom Hanks, Bryan Cranston, Mathieu Amalric, Jeffrey Wright e Scarlett Johansson -, que, todavia, têm participação minúscula e sem nenhum desenvolvimento apto a tornar a narrativa cativante. As personagens surgem e desvanecem com indiferença gritante, pois as renegociações contratuais constituem um Macguffin pouco inspirado.

Realmente importantes são Korda e Liesl. Benicio Del Toro interpreta um protagonista arrogante e antipático, um anti-herói que corporifica a visão apresentada do empresariado como ganancioso e inescrupuloso. Não menos negativa, contudo, é a visão dos políticos (vejam-se as estratégias moralmente questionáveis dos parlamentares) e dos religiosos (como no real interesse da madre superiora); há um subtexto de crítica às instituições. Essa crítica geralmente ocorre pela via que Anderson melhor conhece, a comédia, empregada pelas ferramentas mais variadas: os cenários teatrais, o humor ácido (presente em falas dúbias, como “não matei pessoalmente a mãe de ninguém”), a ironia (fartamente presente com Liesl, personagem vivida por Mia Threapleton, que, por exemplo, esconde no hábito uma adaga recém-comprada), a caricatura (os comunistas) e o slapstick (o “humor pastelão”, como na cena protagonizada pelas personagens de Del Toro e Benedict Cumberbatch).

No entanto, ao contrário do que pode parecer, “O esquema fenício” não é uma quirky comedy como os maiores sucessos do diretor (entre eles, “Os excêntricos Tenenbaums” e “O grande hotel Budapeste”, além dos recentes “A crônica francesa” e “Asteroid City”). Esse elemento se faz presente, mas o que prevalece no longa é um thriller, gênero com o qual o diretor não está acostumado. Seu estilo inigualável é mantido – a obsessão por figuras geométricas e simetria, os cenários deslumbrantes, o uso de cores marcantes etc. -, o que muda é a tentativa de criar um filme de espionagem. Com isso, elementos de thriller ganham espaço, em especial a trilha musical de Alexandre Desplat, da qual o filme está aquém. Anderson apresenta um filme belo (como sempre), mas extremamente chato – o adjetivo é ruim, uma vez que é bastante abstrato e subjetivo, porém é a palavra que melhor qualifica a obra. O progresso narrativo, com os sócios do protagonista, é repleto de cenas desinteressantes e nada fulgurantes, como a disputa de basquete e os diálogos sobre as negociações. O roteiro se repete de maneira rocambolesca, com mortes ineficazes e sonhos enigmáticos que elevam o tédio do longa.

É fácil perceber que o que há de melhor na produção é o seu lado cômico; a personagem de Michael Cera, por exemplo, consegue ser mais atrativa que todo o resto do filme – não pela conexão com a trama, mas justamente pela desconexão. É verdade que o esquema que dá nome ao título do longa é um mero Macguffin, mas a narrativa é incapaz de se tornar envolvente, seja na primeira trama, seja na segunda. Nesta, por sinal, a ausência de evolução significativa sobre a morte da mãe de Liesl torna tal parte completamente esquecível e o mistério não desperta curiosidade. Se Wes Anderson desejava apresentar uma comédia, os aspectos de thriller obscurecem o humor (que é um respiro diante do tédio que prevalece); se o seu foco estava na criação do suspense, a falta de êxito é conspícua. O filme é belo esteticamente, como toda a sua filmografia, mas é chato demais quando comparado com suas divertidas (outras) obras.