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“O FRANCÊS” – Lá no fundo [1 FCR]

Mesclar assuntos não é má ideia para um filme. Entretanto, a maneira com a qual a mescla é engendrada e trabalhada costuma ser um desafio para os cineastas. Em se tratando de O FRANCÊS, não são exatamente seus temas os seus problemas, mas o discurso e o encadeamento narrativo.

URSS, 1957: Pierre Durand, um estudante francês, se muda para Moscou para um estágio. Na Rússia, seus novos amigos são Kira Galkina e Valera Uspensky – ela, uma bailarina do Teatro Bolshoi; ele, um fotógrafo. Os dois levam Pierre a programas culturais variados, inclusive aqueles que as autoridades soviéticas não podiam ter conhecimento da existência. A estadia de Pierre em Moscou é diferente de tudo o que viveu nos vários locais onde morou, envolvendo-se mais do que nunca. Enquanto aproveita tamanha novidade, ele desenvolve um projeto pessoal: encontrar seu pai, que foi preso no final dos anos 1930.

(© Roskino / Divulgação)

O ritmo aceleradíssimo dos minutos iniciais é um pouco intimidador: teria “O francês” mais de cento e vinte minutos de verborragia incessante? A conversa de Pierre com seus amigos franceses é uma introdução brusca para uma narrativa excessivamente truncada. A cena começa como se já estivesse no fim, ou melhor, como se o trio estivesse conversando há um bom tempo. Demora um tempo para que a plateia se habitue a diálogos rápidos e sobre assuntos que, na verdade, são devaneios idealistas. Descartável, a cena é quase uma entrada formal para o filme, pois praticamente nada daquilo tem importância.

Os minutos que se seguem mantêm o espírito verborrágico ao extremo, porém o ritmo em si é reduzido. Por outro lado, os saltos cronológicos nos diálogos são esquisitos – basta ver a cena em que Pierre conversa com as duas idosas. Há um discurso forte – e expresso – sobre luta de classes, com intensa discussão política, porém Andrey Smirnov frustra o público em razão da superficialidade com que trata as matérias políticas (quando não é contraditório, bastando recordar a fotografia de Churchill). Ainda que não na mesma cena, as divagações presentes no longa vão do materialismo dialético à comprovação matemática da existência de Deus.

O roteiro é falho, é verdade, mas Smirnov não soluciona os problemas narrativos pela direção. A despeito de um perceptível domínio técnico, algumas escolhas são sem sentido – por exemplo, quando Kira afirma que adora Zubov (um saxofonista que toca jazz no underground de Moscou), a câmera sai de plano aberto para primeiro plano com o objetivo exclusivo de mostrar seu sorriso ao mencionar o artista, retornando ao plano aberto logo em seguida. As movimentações de câmera não são capazes de enfatizar o texto, pelo contrário, conseguem piorar o que já é ruim.

Pierre se sente um intelectual mergulhando em uma rica cultura, porém um corte mostra defeituosamente que ele talvez não esteja tão engajado quanto pensa: primeiro, o filme mostra a apresentação de balé de “O lago dos cisnes”, depois, corta para um plano em que o público aparece batendo palmas e ele acorda por força das palmas. Muito mais interessante seria um movimento panorâmico que aguardasse mais alguns segundos, talvez destacando alguém da plateia, para mostrar o quão dissonante Pierre está daquele cenário.

O problema não está integralmente com o elenco. Anton Rival vai bem como Pierre e Evgeniy Tkachuk não é ruim como Valera. Evguenya Obraztsova é péssima no papel de Kira – os soluços de seu choro são de uma artificialidade tremenda -, mas não é um erro seu, por exemplo, quando o áudio da sua voz recebe um inexplicável (e deveras esquisito) efeito de eco em alguns (poucos) segundos, na cena em que está de toalha. Aleksandr Baluev é outro do elenco que compromete um pouco, porém é notório que o filmes tem momentos completamente dispensáveis. A despeito da beleza indescritível da “Sonata para piano nº 14”, de Beethoven (tocada por Pierre), a expressão vazia de Baluev flerta com o humor acidental.

Se “O francês” tem virtudes, elas são modestas. A estética é compatível com o cinema da década de 1950, com a fotografia em preto e branco (clara demais, mas este é o menor dos problemas) e a trilha que faz recordar os filmes antigos. Em seu cerne, o longa é sobre duas visões distintas de duas diferentes gerações: a primeira, sobrevivente de campos de trabalhos forçados e que enxerga seu passado com um certo orgulho; a segunda, ávida por viver intensamente, mas da maneira mais franca possível, quiçá correndo riscos. No fundo, isso está no filme. Tão fundo que corre o risco de passar despercebido.

* Filme assistido durante a cobertura do 1º Festival de cinema russo.