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“O GRANDE IVAN” – Liberdade, mesmo que tardia

O GRNADE IVAN, de Thea Sharrock, foi um projeto longevo, durando cerca de seis anos desde o anúncio até o lançamento, no tumultuado ano de 2020, direto para o streaming Disney +. Esse fato pode ser irrelevante, afinal muitos projetos demoram anos para se concretizar. O roteiro de Mike White foi uma adaptação do romance infantil homônimo de K. A. Applegate, que, por sua vez, se utilizou da história real do gorila Ivan, que viveu quase toda sua vida nos Estados Unidos como atração de um shopping center. Mas, se avaliarmos tanto as novas políticas da Disney quanto o movimento contra a crueldade animal, temos um ponto problemático na fábula animal do estúdio. Além disso, o estúdio aponta que a história versa sobre liberdade e o verdadeiro significado de lar, mas de uma forma mediada e pasteurizada.

(© Disney + / Divulgação)

Ivan, um gorila de costa prateada, é a principal atração de um show de animais em um pequeno shopping nos anos 1990. Ao seu lado, outros animais encenam números circenses, como a elefante idosa Stella, a poodle Snickers, a galinha Henrietta, entre outros. O show é comandado por Mack, primeiro dono de Ivan. Após uma temporada de baixa presença do público, Mack decide comprar uma elefante bebê, Ruby, que logo se torna a atração principal. Mas, antes de falecer, Stella pede a Ivan que leve a pequena Ruby para ser livre na selva, para que não passe o resto de sua vida em uma jaula como eles. Sim, os animais falam, como em toda boa fábula, e é aqui que a trama finca sua defesa pela liberdade e lar verdadeiro.

Como fabulação, a história causa incômodo, podendo até ser um gatilho para pessoas sensíveis a atos de crueldade e exploração animal. Ivan não se incomoda, a princípio, com sua luxuosa jaula. Mas ao ser perguntado por Ruby se ele se recordava da vida em liberdade, o gorila percebe que já não havia mais nenhuma lembrança. Ele então se compreende enquanto um ser enjaulado e passa a ansiar por liberdade, essa coisa abstrata e subjetiva, mesmo que nunca a tenha experimentado. A promessa à Stella vem a calhar, é angustiante ver o bebê trilhar os mesmos passos da velha elefante, a substituindo em seu número.

O filme, obviamente, não segue a trilha da maldade ao tratar das relações entre os humanos e os animais. A Disney já aboliu esse tipo de abordagem há tempo e alguns filmes mesmo já fazem campanha aberta contra a crueldade animal. Mas, por se tratar de animais antropomorfizados, é difícil separar o que é humano e o que não é na trama. Animais não entendem o que é liberdade, no sentido humano, mas ao mesmo tempo sabemos que o real Ivan desenhava a selva, um pedido de ajuda elegante e arrasador. Ivan tem que se esforçar, imperiosamente, para lembrar de seu lar, e mais ainda para retornar a ele.

Para além da questão da exploração animal, o filme de Sharrock não abre mão dos elementos melodramáticos já bem conhecidos do público da casa do Mickey. Conflitos individuais, laços de amizade e um moralismo brando se entrelaçam à momentos cômicos com boas tiradas, principalmente do personagem narrado por Danny DeVito, o cachorro vira-lata Bob. Mas nada de especial. Sam Rockwell empresta a Ivan um tom mais sensível. Angelina Jolie passa maturidade na voz Stella e Helen Mirren sagacidade e brilho a Snickers. Bryan Cranston parece um pouco desconfortável na pele de Mack, um apresentador que beira à canastrice, mas que possui uma relação densa com Ivan. O CGI é primoroso, e o fato dos animais mexerem a boca nos diálogos não causa estranhamento. Não é à toa que concorre ao Oscar na categoria de Melhores Efeitos Visuais.  

O principal foco do filme parece ser mesmo a liberdade de decidir seu próprio destino. Essa informação está na sinopse, e aparece tanto nas falas romantizadas como nas músicas ao longo da obra. Enquanto cinema, consegue causar desconforto e traz uma reflexão por meio dele. Se o roteiro conseguir exercer sua função de fazer o espectador se projetar em Ivan, o mesmo pode perceber que a liberdade que a obra propõe não pode ser alcançada de forma plena. Nem o gorila de mentira nem o de verdade conseguiram. É uma liberdade mediada, negociada, mitigada. Se conseguirmos nos ver na gaiola dourada de Ivan, como ela realmente é, a história é outra, bem problemática para esse nicho de produção da Disney.