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“O HOMEM DO FUTURO” – Continuidades nas rupturas

Quando vemos produções de ficção científica, esperamos que os personagens alterem eventos de suas vidas. Quando analisamos o cinema brasileiro contemporâneo, encontramos muitos exemplos de comédias (românticas ou não). Quando nos deparamos com O HOMEM DO FUTURO, percebemos tudo isso e ainda outros elementos, que marcam o valor de entretenimento do projeto de Cláudio Torres. Ao integrar esses gêneros e suas convenções, o filme utiliza nossas expectativas de como tais estilos deveriam ser para brincar com a combinação entre clichês e novos olhares.

(© Paramount Pictures/ Divulgação)

Na trama, João é um cientista genial, mas infeliz por ter sido humilhado publicamente durante uma festa e perdido Helena, sua antiga paixão, há vinte anos. Certo dia, usa um dos seus inventos e acaba voltando ao passado justamente para época em que sofreu o trauma. A partir daí, ele entra em uma espiral descontrolada de interferência em seu destino e de grandes reviravoltas em sua vida, levando-o a buscar uma solução que corrija os estragos causados.

A princípio, histórias sobre viagens no tempo ressaltam as rupturas decorrentes das tentativas de apagar infelicidades e frustrações. Porém, o roteiro de Cláudio Torres investe muitas vezes nas repetições e nos padrões, a começar pelas primeiras sequências reveladoras de como as transições temporais dão o tom da narrativa: a primeira cena se passa na festa em 1991, quando João e Helena cantam “Tempo perdido”; enquanto a segunda avança abruptamente para 2011, no momento em que o protagonista acorda abatido em um quarto desorganizado, sob o acompanhamento de uma trilha sonora melancólica. Além disso, pouco antes de testar sua máquina, o cientista revive flashes do breve convívio com Helena, sob uma iluminação idealizada com efeitos dos raios solares – é uma fragmentação narrativa que simboliza as iminentes passagens entre passado, presente e futuro.

Conforme a obra se desenvolve, outras repetições aparecem para contrastar com as mudanças pretendidas em viagens no tempo. Grande parte delas define um tom cômico para a abordagem de ficção científica ao invés de delimitar um universo científico fantasioso específico: o uso recorrente da canção “Tempo perdido”, cuja letra dialoga com a jornada do personagem principal; a explicação básica do que são buracos de minhoca e de como a realidade é formada por tempo e espaço em aulas de universidade no presente e no passado; e o emprego com diferentes efeitos das frases “calma. Eu quero que você fique absolutamente calmo(a). E confie em mim”. Desse modo, os mesmos recursos se repetem, mas adquirindo significados singulares a cada nova utilização.

Esse mesmo humor também é construído pelas representações de João e de seu amigo Otávio. Cria-se um padrão caricatural para ambos, principalmente para o protagonista vivido por Wagner Moura, que apresenta trejeitos exagerados e muito marcados independentemente do período considerado – o tom de voz exaltado, os tiques na expressão facial e a movimentação corporal cartunesca aparecem em todas as versões de João e sintetizam um elemento em comum recorrente naquele universo. Em menor grau, Fernando Ceylão segue esse princípio interpretativo, em especial quando novas realidades surgem da interferência no passado. Complementando esse estilo de atuação, o design dos cenários feito por Yurika Yamasaki impõe uma variedade de atmosferas, passando da adrenalina da festa do passado para uma ambientação científica e melancólica do presente e, enfim, para o estéril futuro recriado. 

Mesmo quando aspectos clássicos da ficção científica em tramas sobre viagem no tempo surgem, eles estão condicionados pela comédia. É possível identificar o espanto de chegar em outra época, a compreensão do que vai acontecer por já ter visto ou vivido aqueles fatos, as dúvidas quanto à possibilidade ou não de interferir no passado e as consequências caóticas de criar realidades paralelas. Tais elementos já foram bastante trabalhados pelo subgênero, contudo aqui são elaborados pelo viés do humor e sem se preocupar tanto em organizar as regras e os paradoxos temporais. Assim, diálogos expositivos são ironizados nas cenas em que uma aula de Física na universidade é repetida sob outro ponto de vista e uma conversa de bar em tom de desabafo contextualiza os riscos de viajar no tempo.

Por outro lado, também existem traços de comédia romântica na relação entre João e Helena para se notar na narrativa. Tratam-se de convenções facilmente reconhecidas, como a formação de um casal inesperado entre um nerd gago e a aluna mais popular da faculdade; o acúmulo de encontros e desencontros que aproximam e afastam os personagens; e o clichê do desfecho quando um deles corre para encontrar o(a) amado(a), que está prestes a ir embora para longe. O que poderia ser um amontoado de recursos desgastados se torna uma jornada prazerosa na vida romântica de João, beneficiadas pela química entre Wagner Moura e Alinne Moraes, assim como pela fusão interessante entre comédia e ficção científica.

É, portanto, através da combinação de características cinematográficas distintas que “O Homem do futuro” confere outras facetas às histórias de viagem no tempo. Na narrativa, notamos como transitar pelo passado, presente e futuro não leva apenas às rupturas de novas atitudes e reconstruções da vida, mas também às continuidades de elementos que nos seguem em novas ocasiões. O mesmo vale para os gêneros no cinema brasileiro que, periodicamente, produz comédias românticas e, crescentemente, oferece outras propostas. Nessa linha, as comédias românticas podem ser permanências mergulhadas nas mudanças das ficções científicas.