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“O MELHOR ESTÁ POR VIR” – Uma calorosa sessão de cinema

Como uma mescla entre “Minha vida sem mim” (2003), “Antes de partir” (2007) e “Intocáveis” (2011), O MELHOR ESTÁ POR VIR (produzido em 2018, mas lançado no Brasil somente em 2020) é singelo demais para alcançar o status dos outros três. O filme não tem a qualidade do primeiro, o carisma do segundo ou a sensacional complexidade do terceiro. Porém, representa uma saudável reflexão sobre a morte.

No longa, Arthur e César são grandes amigos de infância de perfis muito diferentes: aquele, sério e trabalhador; este, um autêntico bon vivant. Após um mal-entendido sobre um câncer, os dois passam a conviver ainda mais próximos para aproveitar ao máximo o pouco tempo que resta.

A sinopse pode parecer vaga (ao contrário da oficial), contudo é melhor não saber muitos detalhes do roteiro de Matthieu Delaporte e Alexandre de La Patellière, que também dirigem o longa. Isso porque é o mal-entendido o ponto de partida do plot, além de constituir a força motriz da maioria das piadas, o que faz com que a comédia dramática se torne mais atraente sem conhecê-lo previamente.

(© Paris Filmes / Divulgação)

Não que isso signifique tratar-se de uma obra original. “Minha vida sem mim” é muito melhor por colocar o ponto de vista feminino sobre a temida morte iminente; “Antes de partir” tem o entrosamento e o talento monumental de Jack Nicholson e Morgan Freeman; “Intocáveis”, além de mais complexo, é muito mais sensível. A comparação mais óbvia é com “The farewell” (2019), pois os dois enfrentam, de pontos de vista similares, o mesmo tema: as possíveis vantagens da ignorância sobre a própria condição de saúde.

Ocorre que o filme francês abraça desnecessariamente dois estereótipos (o que o estadunidense não faz). Arthur é um sujeito de conduta exemplar, o típico “certinho” (criticado pelo amigo justamente em razão disso). Há uma animosidade imotivada em relação ao chefe – que serve como pretexto cômico e engrenagem narrativa pouco verossímil, apenas -, porém o contorno irrepreensível é bem claro. Diferente é o perfil de César, um espírito livre cujo interesse está nas mulheres e na menor responsabilidade possível. Em comum, dificuldades nos laços familiares: Arthur com a filha e a ex-esposa e César com o pai (nesse caso específico, a vagueza é incômoda).

A abordagem do tema mencionado se torna agradável pela leveza do humor, além de permitir alguma reflexão. A película não é criativa, mas é relativamente eficaz. Na comédia, rende risadas agradáveis (mas longe do hilário); no drama, flerta com o sentimentalismo apenas mais ao final. Há elementos interessantes nos pormenores, como no subtexto (sobre religiosidade e sobre homofobia) e nas ótimas coadjuvantes. No primeiro caso, ainda que raso, dilui a unidimensionalidade do roteiro. No segundo, Zineb Triki e Pascale Arbillot fazem de Randa e Virginie personagens deveras cativantes, cada uma à sua maneira. Randa é a voz da sabedoria, sem olvidar o lado terno e o jeito acolhedor, quase maternal; Virginie pode ser um furacão emotivo, não se contendo na raiva, tampouco na tristeza.

Ainda no quesito atuação, Patrick Bruel não transforma César em alguém tão cativante quanto o Arthur de Fabrice Luchini. As personagens têm o mesmo nível de esmero na construção textual (diálogo e personalidades), porém Bruel não faz um trabalho tão bom quanto Luchini. É impressionante a força dos sentimentos representados por este, ora com minimalismo, ora de maneira explícita, transitando entre alegria, perplexidade, desnorteio, embriaguez e tristeza com bastante naturalidade. Uma gagueira indicando que Arthur está nervoso, algo que poderia soar artificial, se torna uma ferramenta cômica plenamente aceitável.

Há um diálogo elogiável entre a trilha musical e o progresso narrativo: as músicas, sempre instrumentais, fazem com que o piano dite o ritmo relativo à evolução dos relacionamentos familiares de Arthur e César e da própria interação entre os dois (principalmente em sequências elípticas). Contudo, a trilha é extremamente genérica.

A direção do longa é discretíssima, limitando-se a simbologias óbvias (como na cena em que César sobe em uma esteira rolante enquanto Arthur se recusa a fazer o mesmo) e uma linguagem engessada (exceto nos créditos, quando a razão de aspecto e a imagem granulada são surpresas positivas). É verdade que a proposta da produção é um pouco modesta, muito mais sustentada pelo roteiro e pelas atuações do que por recursos imagéticos ou sonoros. Entretanto, falta uma ousadia para valer mais do que uma calorosa sessão de cinema.