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“O NOME ENCRAVADO EM SEU CORAÇÃO” – Nem o romance remanesce [44 MICSP]

Taiwan foi o primeiro país asiático a, em 2019, legalizar o casamento homoafetivo. O NOME ENCRAVADO EM SEU CORAÇÃO é um filme taiwanês que trata do amor entre dois rapazes em 1988, logo após a suspensão da lei marcial no país. O contexto político, contudo, não é aprofundado, tampouco a homofobia. Remanesce o romance.

A-han e Birdy são adolescentes que estudam em um colégio militar bastante severo. Os dois se conhecem ao participar da banda da escola, liderada por um padre canadense. Percebendo que o sentimento é maior que a amizade e é mútuo, os dois têm dificuldade em se aceitar e, principalmente, realizar esse amor.

A escolha da época em que se passa o filme – baseado em fatos – é muito boa, pois a suspensão da lei marcial cria um clima de instabilidade política. Não obstante, o país continuava com diversos preconceitos e com a intensa atuação militar. É verdade que o filme demonstra isso, como na cena envolvendo um homem protestando e a diferença de sanção entre os alunos em relação às alunas. Contudo, o tema aparece transversalmente, para dar somente um pano de fundo.

Um assunto que é melhor abordado é a criação dos filhos. A casa de A-han é bastante religiosa (por exemplo, rezam antes de comer) e o pai do jovem é severo com ele – interessante notar que, naquele local e naquela época, ciências sociais era um curso inferior ao de exatas (o que talvez encontre ecos em outros locais ainda hoje). Quanto a Birdy, seu pai é ainda mais rígido e violento, sendo que sua personalidade atrevida e explosiva talvez tenha explicação na censura que recebe em casa (“devia tê-lo estrangulado quando você nasceu” é uma fala capaz de deprimir qualquer filho).

É visível, todavia, que o roteiro de Yu Ning Chu trata tudo isso com bastante superficialidade. A repressão escolar (verificação dos quartos à noite, punições físicas etc.), aliada ao bullying, formam um pouco desse panorama, mas não há um aprofundamento. Parece que o objetivo é impressionar o espectador e gerar situações em que Birdy se rebele. Quem se rebela, no entanto, é o próprio espectador, diante de uma mise en scène desorganizada do diretor Kuang-Hui Liu. O cineasta exagera com as cenas gritadas (como quando A-han grita com o padre Oliver), são muitas discussões confusas, quase caóticas (normalmente entre A-han e Birdy), e muitas vezes desnecessárias (idem). A sensação que fica é que brigam simplesmente por brigar.

Há bons momentos no filme, não se pode negar. A cena da praia (exceto quando os gritos atingem seu auge), a belíssima cena erótica do banho (nada apelativa, muito delicada) e a do telefonema com a maravilhosa Leitmotiv são exemplos de instantes elogiáveis da película (na trilha musical, é o principal destaque, ao passo que as demais músicas são bonitas, mas exageradamente melosas e, por consequência, cansativas). Contudo, o romance não convence, o que acaba sendo fatal para a fragilidade do longa.

Em uma primeira aproximação, Birdy e A-han parecem um casal promissor. Muitos olhares e conversas fúteis. A-han não se interessa por uma menina que praticamente o ataca. Não muito tempo depois, ele e Birdy estão andando de motocicleta, dormindo juntos e fazendo travessuras pela cidade. Não há uma progressão orgânica no amor, ele soa como uma atração vazia que não é costurada pelo casal enquanto se conhece. Talvez o problema seja a divisão da narrativa em duas linhas temporais alternadas, o que certamente não colabora. Mas não é só isso.

É natural que o padre Oliver pense que seja a libido falando mais alto, pois o casal simplesmente não cativa. Quando A-han defende que é amor, ele é vago. Tudo fica pior quando a conduta de Birdy muda – de um aprendiz de ativista LGBT a namorado de uma moça que mal conhecia. Paixão adolescente? Tentativa de provocar ciúmes? É possível explicar dessas formas. Entretanto, é inverossímil uma mudança tão brusca (e a apresentação musical não seria suficiente para explicar), tornando-se irritante a insistência de A-han.

Apesar de “O nome encravado em seu coração” ter quase duas horas, o filme não aproveita a duração para construir um romance capaz de convencer o espectador. Cenas isoladas são bonitas, mas de nada adianta se o público não abraça o casal – um casal que se apaixona pelo simples olhar, que vive um romance enquanto amigos e que briga sem motivo. Não adianta afirmar que os casais reais são assim, já que, nas palavras do próprio Birdy, “as coisas são mais bonitas no cinema do que na realidade”. Diante da superficialidade relativa ao contexto sociopolítico, cabia ao romance sustentar a obra. Mas não sustenta.

* Filme assistido durante a cobertura da 44ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.