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“O PIOR VIZINHO DO MUNDO” – Uma exceção

Em regra, os remakes são inferiores aos originais. Falta-lhes não apenas o “fato novo” (ausência inevitável), mas também e sobretudo uma individualidade suficiente que lhes dê autonomia perante os originais. O PIOR VIZINHO DO MUNDO é exceção à regra não por não ser inferior, mas por não ser mera cópia e conseguir comover genuinamente o público.

Chefe da associação de moradores do bairro, Otto desiste de viver após o falecimento de sua esposa. Suas tentativas de suicídio, porém, acabam fracassando por várias circunstâncias, principalmente quando ele é acolhido – no início, a contragosto – pelos novos vizinhos.

(© SONY PICTURES / Divulgação)

O roteiro assinado por David Magee (acostumado com feel good movies como “Em busca da Terra do Nunca” e “O retorno de Mary Poppins”) tem por base o sueco “Um homem chamado Ove”, bem como o livro homônimo de Hannes Holm. O desafio de Magee era traduzir as idiossincrasias suecas para a realidade dos EUA (e suas respectivas particularidades), o que o roteirista faz muito bem. Para os carros, Otto considera veículos Ford melhores que Chevrolet, mas rejeita por completo marcas de outros países. Os novos vizinhos são imigrantes tal qual ocorre na versão sueca, mas a origem mexicana, além de ter maior pertinência, se torna ainda mais interessante em razão do choque cultural para Otto.

O texto aborda uma miríade de temas próximos, mas tem como foco a gentrificação e o luto. O trocadilho feito com a imobiliária vilã é capaz de enfatizar uma crítica à decadência sociocultural e humana nos EUA (que se dá em favor de supostos avanços econômicos); o luto é uma justificativa parcial da personalidade de Otto. Como assuntos periféricos estão o preconceito, representado por Malcolm (Mack Bayda), a acessibilidade, mencionada en passant em um diálogo, e conceitos como envelhecimento, família e amizade. Estruturalmente, o script não é capaz de surpreender, porém sua alternância entre pretérito e presente diegéticos, cada um com seu tom narrativo – romântico naquele, dramático-cômico neste -, é engrenagem eficaz para moldar o arco do protagonista e emocionar a plateia.

Tom Hanks está ótimo de costume, sabendo contrastar com a sutileza necessária as três principais facetas de Otto: o rabugento, o saudosista e o afetuoso. Na primeira versão, o protagonista encara sua vida como muito difícil porque todos são idiotas e precisa fazer tudo sozinho. É por isso que ele trata vendedores em uma loja com rispidez, vizinhos com hostilidade e animais com raiva. Por exemplo, sem paciência com Tommy (Manuel Garcia-Rulfo) porque ele é um idiota, prefere ele mesmo estacionar seu veículo. Por trás dessa primeira camada, há um saudosismo em relação à esposa recém-falecida, alguém que ele reconhece que mudou sua vida (Sonya era uma “força da natureza”). O backstory de Otto surge em flashbacks que demonstram que seu eu jovem (Truman Hanks, boa escolha pela evidente semelhança física em relação ao pai da vida real, mas também pelo bom desempenho) encontrou em Sonya (Rachel Keller, discreta) um porto seguro que não tinha na família (especialmente no pai). É por isso que os novos vizinhos permitem que aflore a versão afetuosa de Otto – até então só conhecida por Sonya.

Mariana Treviño interpreta Marisol, personagem quase tão importante quanto o próprio Otto porque, primeiro, assim como ele, tem função cômica, e, segundo, é quem consegue tirar dele sentimentos como solidariedade e empatia. Treviño é exagerada nos gestos, na velocidade da fala e no tom da voz, o que é cômico por contrastar com o protagonista. A despeito disso, os dois criam uma amizade que, se é previsível, não por isso deixa de cativar o espectador. É Marisol quem percebe que Otto não é ruim como pode parecer, bastando um estímulo para que surja a sua versão afetuosa. No lado cômico da película, a dupla Treviño-Hanks funciona muito bem.

O diretor Marc Foster tem um currículo relativamente heterogêneo, que vai de “007 – Quantum of Solace” a “Guerra Mundial Z”, mas parece nutrir maior apreço por produções mais dramáticas, como “O caçador de pipas” e “Por trás dos seus olhos”. Ele demonstra habilidade na mise en scène para transmitir ideias de modo não verbal, como a longa demora de Otto na ronda (expondo o quão enfadonha é a tarefa) e a diferença entre os bolos que o homenageiam em dois momentos distintos da narrativa (não tanto pelos doces em si, mas pelo modo como são cortados). A fotografia do longa tem a prevalência, como não poderia deixar de ser, de cores frias (o branco da neve, o azul esverdeado da casa e do figurino de Otto etc.), de modo que, quando aparecem cores quentes, o destaque é de fácil percepção – não à toa, em sua primeira aparição, Sonya veste um casaco xadrez (o que por si só destoa de Otto) com tons avermelhados.

O pior vizinho do mundo” tem os ingredientes necessários para sensibilizar o espectador diante de um plot verdadeiramente comovente e de uma atuação de alto nível. Merece destaque, ainda, a boa trilha musical de Thomas Newman e a tocante canção “Til you’re home” na voz de David Hodges, que são empregadas de modo certeiro para encaminhar o melodrama que também existe no longa. Talvez o remake hollywoodiano seja meloso em demasia quando comparado à versão sueca, mas isso é uma opção capaz de separá-lo do predecessor. O novo filme pode não ser tão bom quanto o antigo, mas tem em seu favor a tentativa de emocionar sem copiar absolutamente tudo o que o outro faz.