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“O PORTAL SECRETO” – O segredo de um bom segredo

O segredo de um bom segredo é ser instigante. No audiovisual, omitir informações do espectador não é problemático, pelo contrário, pode ser usado como ferramenta para surpreendê-lo ou para criar tensão, por exemplo. Problemática é a situação das obras cujo segredo é desinteressante, o que pode minar o resultado como um todo. É o que ocorre com O PORTAL SECRETO.

Sem dinheiro e sem emprego, Paul consegue um estágio na JW Wells & Co., uma misteriosa empresa cujo trabalho a ser desempenhado ele desconhece mesmo enquanto trabalha nela. Ao lado da sua colega Sophie, Paul vai entendendo o que a companhia faz, adicionando magia na vida das pessoas comuns. Mas o plano de Humphrey Wells, CEO da empresa, é maior do que os dois pensam.

(© Imagem Filmes / Divulgação)

Baseado no livro de Tom Holt, o roteiro de Leon Ford é fraco tanto nas personagens quanto no desenvolvimento narrativo. Patrick Gibson se esforça para imprimir carisma ao protagonista e não é sua culpa a incompatibilidade entre a idade e o comportamento (Paul é infantil demais para um ator de vinte e oito anos), mas falta substância ao herói. Seu backstory, por exemplo, é limitado à situação financeira atual (algo que serve apenas de impulso para chegar ao estágio) e uma breve menção sobre os pais (que se torna irrelevante na trama). O protagonista é simpático pelo jeito atrapalhado demonstrado logo nos minutos iniciais, mas deveras vazio.

Sophie Wilde tem em Sophie uma personagem assumidamente volúvel (por razões devidamente explicadas), cuja antipatia por Paul se transforma adequadamente, mas que não passa de personagem instrumental – para que ele se transforme e para a descoberta dos planos de Humphrey. No elenco estão ainda dois nomes grandes, Christoph Waltz e Sam Neill, ambos completamente no piloto automático, aquele como o estranho simpático, este como o rabugento incompreendido (algo não muito distinto do que já fizeram antes). Rachel House, Miranda Otto e Jessica De Gouw também participam, mas seria exagero chamar seus papéis de personagens.

Narrativamente, o mistério não tarda a aparecer, é antecedido da agitação que, em tese, apresenta o protagonista (embora pouquíssimo diga a seu respeito). São dois os instrumentos retóricos empregados para moldar o segredo. O primeiro é o uso de falas vagas, criando o suspense: por exemplo, a resposta para o que a empresa faz é “fazemos o que podemos”, que são “serviços inestimáveis”. O segundo é o estranhamento, responsável por aumentar o suspense: por exemplo, as perguntas na entrevista não fazem sentido para qualquer função a ser desempenhada; além disso, o comportamento de todos na empresa é esquisito. O equívoco do roteiro é que, da forma como desenvolve o enigma, ele se torna meramente rocambolesco, sem instigar o público. Ao invés de progredir nas revelações, a mitologia criada é expandida, mas sem maiores explicações. O uso do estranhamento e da vagueza é tão alongado que, quando o mistério é revelado – o que ocorre após mais da metade do filme -, o longa já se tornou desinteressante. É possível inclusive perceber que há algo errado na empresa, o que torna a obra ainda mais desinteressante, pois, ao menos em parte, o mistério já não mais existe. Nesse sentido, o que a empresa faz é irrelevante.

É perceptível que o diretor Jeffrey Walker não sabe trabalhar com o suspense, porém há alguma afinidade com o terror. Essa percepção se torna surpreendente na medida em que sua experiência seja quase toda em séries ou filmes de televisão, boa parte na comédia e não no terror. Ainda assim, o diretor cria uma atmosfera sombria em dois momentos que rompem com o tom de aventura fantástica que domina o longa: na cena envolvendo Casimir (Chris Pang) e, principalmente, naquela em que Paul e Sophie estão sozinhos na sala das impressoras (a mixagem é eficaz ao misturar ruídos assustadores aos ruídos das impressoras e à música que toca ao fundo). Visualmente, o design de produção é também interessante, não apenas pela coerência com a proposta – uma Londres antiga e que oculta um universo mágico, com uso de cores foscas como cinza e verde musgo para traduzir essa ideia -, mas pela influência do clássico “Brazil: o filme” (a divisão da empresa em setores, os canos com as cartas etc.).

Essa influência faz sentido porque a película de Terry Gilliam é uma metáfora sobre o autoritarismo estatal, o que se assemelha ao tema principal de “O portal secreto”, relativo não ao poder do Estado, mas das empresas que desejam manipular os cidadãos. A simbologia do filme de Walker não poderia ser mais atual e o paralelo com os algoritmos das redes sociais é necessário. Talvez se a estrutura fosse de sci-fi (como “Brazil”), ao invés de fantasia, o resultado fosse mais consistente, até porque o direcionamento ao público infantojuvenil, aqui, prejudica a contundência da crítica elaborada, que é sutil demais para algo de tamanha relevância. E isso é também consequência da inabilidade em trabalhar o segredo do filme, que poderia ser muito mais impactante se não ficasse estagnado na primeira metade. O próximo trabalho de Walker será a direção da minissérie “O culto secreto”. Quem sabe ele trate melhor o novo segredo.