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“O PROFESSOR SUBSTITUTO” – Mistério na economia dos detalhes

Enquanto uma pequena turma de adolescentes estuda em sua sala de aula, o professor se aproxima da janela e observa o céu e o pátio do lado de fora. Coloca uma cadeira ali, sobe e se atira de uma grande altura. Os estudantes e funcionários ficam atônitos correndo em direção ao corpo sem vida estirado no chão. Esta é a sequência inicial de O PROFESSOR SUBSTITUTO. Iniciado assim o filme poderia ser muito bem um drama que enfocasse nas condições emocionais do docente antes do suicídio ou nos traumas dos alunos que presenciaram momento tão chocante. No entanto, o que vem a seguir é um mistério contado de modo econômico sobre uma geração desiludida com o que está por vir.

(© Filmicca / Divulgação)

Após a morte trágica, a escola contrata Pierre Hoffman como professor substituto. Nas primeiras aulas, ele percebe que um grupo de seis jovens parece indiferente com o que ocorre ao seu redor e age de forma muito suspeita. Os dias se passam e o protagonista também acredita que os seis alunos exercem uma estranha influência sobre toda a escola, inclusive a direção escolar. Decidido a entender o que se passa com eles, Pierre se torna obcecado em descobrir quais planos estão arquitetando.

Livremente baseada no livro homônimo escrito por Christophe Dufossé, a produção guia o olhar do espectador pela perspectiva limitada de Pierre Hoffman. Sendo assim, a experiência espectatorial se encontra no mesmo nível do personagem, ou seja, dentro de uma espiral de surpresas, choques e assombro diante dos comportamentos de Apolline, Dimitri, Clara, David, Brice e Sylvain. Inicialmente, a turma poderia ser vista como um conjunto de estudantes prodígios com as melhores notas, que estudava um currículo mais avançado e se dedicava com afinco para os testes. Com o passar do tempo, o professor e o público percebem que há algo além de uma inteligência incomum e se sentem inquietos com o que ainda pode acontecer. Os seis alunos não demonstram emoções, respondem com frieza à preocupação de Pierre, contestam a capacidade do substituto, reagem com prepotência a uma tarefa simples, dispensam bruscamente os cuidados do docente e desprezam as outras turmas. O que mais pode vir de quem parece não ter qualquer senso de humanidade nem agir de acordo com sua idade?

Se os adultos não conseguem antecipar os próximos passos dos jovens, o mesmo se dá com o público em relação à narrativa. O diretor Sébastien Marnier cria uma atmosfera de mistério que não fornece informações imediatas nem explica totalmente os acontecimentos da trama, pois são os detalhes e as sutilezas que mais importam para captar a sensação geral de tragédia iminente. A decupagem é seca, econômica e direta por priorizar o desenrolar das ações em planos fluidos e sem cortes. Tomando como exemplo duas sequências em especial, é possível observar o impacto que essas escolhas formais geram. O suicídio do professor titular e o tapa de um aluno de outra turma no rosto de Brice são cenas filmadas e resolvidas com poucos cortes, deixando o espectador contemplar a ação frontalmente e sem chance de desviar o olhar. Consequentemente, cria-se um contraste que potencializa a dimensão misteriosa da narrativa: a encenação até pode ser direta e simples do ponto de vista estilístico, porém as atitudes dos seis alunos são enigmáticas, complexas e indefinidas.

Quando Pierre passa a seguir Apolline, Dimitri, Clara, David, Brice e Sylvain, a construção estética citada oferece mais possibilidades expressivas. O homem se depara com os estudantes testando a resistência à dor de formas perigosas e encontra uma caixa de DVDs com estranhas gravações caseiras feitas por eles mesmos. Em certo instante, o professor observa de longe um dos adolescentes tendo que suportar os golpes desferidos pelos colegas, uma cena filmada com o mesmo princípio formal de uma decupagem seca em que a câmera mal se move e as ações se desenrolam sem cortes. Em outra passagem, ele parece estar novamente espionando o grupo enquanto um deles precisa suportar a privação de oxigênio por ter um saco preso em sua cabeça, quando, na realidade, tratava-se de uma das gravações em vídeo assistida posteriormente. Mais adiante, os seis jovens estão em uma piscina, Clara é envolvida em plástico e precisa prender a respiração debaixo da água por um longo período, cena que parecia ser uma filmagem, mas se tratava de algo em tempo real interrompido por Pierre. A indefinição sobre a natureza das imagens é mais um sinal do mistério quanto ao sentido da cena que pode vir.

O conteúdo dos vídeos revela indícios da postura angustiante dos jovens. Além das experiências para aumentar a resistência à dor, as gravações também contêm flashes de violência contra animais, poluição ambiental, catástrofes climáticas e atentados terroristas. Este material constitui uma visão de mundo niilista e pessimista, que considera o futuro da humanidade fadado à destruição por culpa de suas próprias ações e eventuais esforços pela sobrevivência subordinados aos interesses capitalistas. As interpretações que eles constroem deixam em dúvida se planejam cometer suicídio ou se a obtenção de tanto conhecimento os deixou descrentes da espécie humana, sentimentos que remetem ao trabalho sociológico de Émile Durkheim sobre os fatores sociais do suicídio. Sob tais bases, uma liderança mórbida se destaca em torno de Apolline e Dimitri, interpretados com uma inexpressividade fria, respectivamente, por Luàna Bajrami e Victor Bonnel. Basta reparar como ambos desdenham da ajuda oferecida por Pierre a um garoto agredido perguntando se ele seria socialista por defender quem foi oprimido.

Pierre se envolve tanto com o mistério por trás da personalidade daqueles alunos e de seus possíveis planos para o futuro que se torna obsessivo. Laurent Lafitte traduz essa crescente obsessão ao deixar de viver o personagem como um sujeito atraente e cheio de vitalidade, que nada frequentemente no parque público e desperta o interesse da coordenadora escolar, para ser um indivíduo instável que grita com seus estudantes e é consumido pela paranoia. Em termos literais e simbólicos, o professor se vê às voltas com presságios de que algo devastador está prestes a acontecer. Com frequência, recebe ligações anônimas sem resposta do outro lado da linha e, em certa madrugada, tem o computador roubado. No início de algumas sequências, a câmera capta imagens de um céu que prepara uma grande tempestade; gatos e alces se aproximam em grande número da casa de Pierre como se tentassem fugir de uma ameaça e baratas começam a se multiplicar no interior do apartamento. Este último animal, inclusive, carrega um sentido alegórico adicional que remete ao livro “A metamorfose” de Franz Kafka, objeto de estudo da tese de doutorado do professor.

Em seus primeiros minutos, “O professor substituto” sugere um drama que contemplaria as reações de quem presencia uma tragédia de enormes proporções. No decorrer da narrativa, Sébastien Marnier constrói um mistério estruturado em torno dos pequenos detalhes e de uma encenação econômica que prefere deixar mais conjecturas a dar explicações definitivas. O que pode ter efetivamente causado mudança tão brutal no comportamento de Apolline, Dimitri, Clara, David, Brice e Sylvain? Algum mal-estar desencadeado pela percepção resignada do caráter destrutivo da humanidade que é ampliado pelo contraste com a vivacidade da juventude? E o primeiro professor se suicidou por não ter suportado o convívio com jovens que o faziam ter que encarar a proximidade de uma fatalidade ou por outras razões? É possível, no máximo, supor respostas para todas essas e outras perguntas. E quando, enfim, o mistério sobre um desastre iminente se concretiza na última sequência, a jornada até ali se ressignifica na face espantada de Pierre e nos semblantes vulneráveis de seus seis estudantes.