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“O SEQUESTRO DO VOO 375” – Hollywood não é aqui [47 MICSP]

Apenas o trailer de O SEQUESTRO DO VOO 375 já é capaz de revelar que o filme se inspira nas produções hollywoodianas de ação. Do comandante heroico no estilo Whisp Whitaker (Denzel Washington em “O voo”) ou Chesley Sullenberger (Tom Hanks em “Sully: o herói do Rio Hudson”) à extorsão vista em “Força aérea um” e “Sem escalas”, o longa nacional bebe de fontes qualificadas, mas não se destaca por não ter em seu DNA as estrelas e os recursos de Hollywood.

Farto com a “década perdida” de 1980, vendo um Brasil padecendo de instabilidade e hiperinflação, desempregado e longe da filha, Nonato decide sequestrar um voo comercial para praticar um atentado ao Palácio do Planalto. Ele não quer nada em troca, apenas destruir o prédio e, assim, matar o Presidente José Sarney. Quem vai tentar impedi-lo é Murilo, o piloto do avião que se sente responsável pela integridade das pessoas que estão dentro da aeronave.

(© Escarlate Conteúdo Audiovisual / Divulgação)

É preciso pontuar, inicialmente, que a versão apresentada na 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo não é a versão final do filme, mas uma “versão exclusiva para o circuito de festivais”. A importância da ressalva é que, a julgar pelo que foi exibido, trata-se ou de um longa cuja pós-produção não foi encerrada, ou de uma obra tecnicamente precária. Mesmo no segundo caso, dispensável mencionar que o poderio hollywoodiano dificilmente será alcançado em uma película brasileira, que tenta emular algo que não é característico do Brasil. Isto é, a proposta do filme depende de um apuro sonoro e visual que não estão na essência do cinema nacional, mas estrangeiro. O filme é brasileiro, seu DNA não é.

Quanto à “versão exclusiva”, há problemas na trilha sonora e nos efeitos visuais, que aqui serão considerados, ambos, inacabados. Existem músicas razoáveis na trilha musical, geralmente usando percussão para antecipar a tensão e elevar o grau de adrenalina. Existem também ruídos intradiegéticos do avião bastante convincentes. O problema acaba sendo na mixagem, quando esses elementos unidos (e aliados a outros, como gritos de passageiros) tornam a trilha sonora poluída e dificultam a compreensão do que corresponde a cada um. Vira, no dizer popular, “uma salada”. Situação análoga ocorre com os efeitos visuais; na cena do pouso, por exemplo, a aparência é consideravelmente ruim. Certamente há espaço para melhorar os dois aspectos e isso deve ser feito até a versão final, inclusive porque os problemas não estão presentes em todas as cenas. Remanesce, porém, a falta de brasilidade da produção, que não é suprida por “Pro dia nascer feliz” ou uma apresentação inicial do contexto nacional que motivou os atos de Nonato.

O roteiro de Lusa Silvestre, Mikael de Albuquerque, Rafael Leal e Laura Malin, baseado em fatos, não constrói Nonato como um vilão complexo, o que, todavia, é coerente com sua ideia que, na realidade, é bastante ingênua. Com os olhos constantemente esbugalhados e o pescoço se movimentando de maneira quase paranoica, Jorge Paz faz da personagem um homem perturbado, indisposto a ouvir quem quer que seja, inconsequente, capaz de atirar sem pensar nos riscos da própria empreitada, e de valores distorcidos (mesmo praticando o delito, afirma: “eu sou sujeito homem, não sou ladrão”).

A contraparte de Nonato é o comandante Murilo, enaltecido como herói tal qual fazem as produções de Hollywood. Inteligente, Murilo não responde diretamente quando demandado, apenas ligando o microfone. Estrategista, percebe as nuvens como meio para enganar Nonato. Calmo, tranquiliza o petrificado copiloto ao afirmar que “vai dar tudo certo”. Contudo, sua calma está apenas nas aparências: quando pede um cigarro, não é porque está sereno, mas porque assim pode ficar. Um típico herói, ele enfrenta o vilão com frases de efeito como “atira, vai” e “ninguém mais leva tiro na minha aeronave”. Em boa atuação, Danilo Grangheia personifica um homem disposto a ser mártir e que, para isso, supera até mesmo o drama vivido. Existem outros heróis, de menor relevância, assim como aqueles nada dispostos a sê-lo; é, porém, a dinâmica entre Nonato e Murilo que mais interessa.

Com experiência em histórias reais, Marcus Baldini (de “Bruna Surfistinha” e “O rei da TV”) é um diretor que tenta, aqui, seguir a cartilha dos filmes de ação em aeronaves. A tensão é antecipada (Nonato lavando o rosto no banheiro, Murilo escolhendo o aviãozinho), há muita câmera na mão e plano holandês, a montagem é acelerada e a pieguice não é dispensada (os aplausos, o copo quebrado na mão…). A cena-chave é fruto de uma decupagem bem pensada, com dois momentos distintos que elevam a qualidade do longa. Isso demonstra que a preocupação estava de fato voltada à ação. Algumas falas entre Murilo e Nonato revelam que sua situação não é tão diferente quanto parece: naquele contexto, todos os brasileiros comuns estavam em situações difíceis, para dizer o mínimo. Era nisso que Baldini deveria ter apostado, dando personalidade à sua obra, algo que claramente lhe falta. Hollywood não fica no Brasil, muito menos no Brasil pós-ditadura.

* Filme assistido durante a cobertura da 47ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).