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“O SILÊNCIO DA CIDADE BRANCA” – Nem toda mira é certeira

Nem toda mira é certeira. O SILÊNCIO DA CIDADE BRANCA é um filme espanhol, original Netflix, que mirou em clássicos como “O silêncio dos inocentes” e “Seven – os sete crimes capitais”. Acertou, porém, em algo do tipo “Crimes em Happytime” – no máximo.

No longa, Unai é um investigador de polícia que, depois de algum tempo afastado, retoma o trabalho. O desafio que está prestes a enfrentar talvez seja, todavia, o maior da sua carreira: após vinte anos, um serial killer conhecido como Assassino do Sono retorna à ativa.

(© Netflix / Divulgação)

O filme lida com a duplicidade em diversos aspectos: irmãos gêmeos, regresso (de Unai ao trabalho e do assassino à matança), vítimas (sempre um homem e uma mulher) e assim por diante. Talvez esse fosse um bom pretexto para que o diretor Daniel Calparsoro fizesse rimas visuais ou metáforas inteligentes. Não é o caso, pois o cineasta mais erra do que acerta.

Na mise en scène, por exemplo, é utilizada de forma anacrônica a revolta de uma personagem, que, para expor a sua raiva, derruba todos os objetos de uma mesa (um clichê que já deveria ter sido abandonado). Quando um plano holandês (enquadramento pelo qual o campo fica inclinado na tela) é utilizado sem propósito algum, fica clara a inaptidão do diretor.

Explorar a subjetividade mental das personagens seria uma boa opção, porém não é o que ocorre na película: por vezes, trata-se de um flashback destinado a construir o backstory de uma personagem, em outros momentos, parece ser apenas a imaginação de Unai, o que acaba prejudicando a compreensão da cena (aquilo é real ou é pura imaginação?) e empalidecendo o desfecho.

Os roteiristas Roger Danès e Alfred Pérez Fargas, baseados na obra de Eva García Sáenz de Urturi (que dificilmente alcança um nível tão ruim quanto o do longa), não são capazes de desenvolver uma narrativa sólida. O texto é pulverizado, com um exagero de subplots inexplicavelmente abandonados. Além disso, há um número impressionante de lacunas deixadas pelo script, pretensamente complexo, quando, na verdade, é mais murcho que uma uva passa.

Não seria justo desconsiderar a péssima atuação de Javier Rey como Unai. Além de ser um protagonista óbvio (a cena em que conhece Alba sem saber o que ela é já permite prever absolutamente tudo do arco dramático), seu backstory é muito mal explicado. Além disso, a personalidade da personagem é questionável, o que o próprio roteiro deixa claro, quando Alba adverte Unai que “não é muito profissional se deixar levar por um palpite”. Isso sem contar obviedades, como “se enterrar no trabalho não vai trazer uma pessoa morta de volta”.

Na fotografia, a iluminação amarelada se revela um raro acerto, combinando com os girassóis e com as abelhas, elementos presentes nos crimes do Assassino do Sono. Da mesma forma, as cores dessaturadas dos flashbacks fazem sentido. Entretanto, há equívocos em demasia, minando o que poderia ser bom. Para além de metáforas ou referências bíblicas vagas, a trilha musical não consegue ser minimamente benéfica à obra: ora tem um tom épico exagerado (como na cena em que Unai persegue Mario, que estava escondido), ora sugere precipitadamente um sentimento no espectador (como na cena de sexo entre Alba e Mario). Na montagem, as sequências soltas de investigação retiram qualquer fluidez que a trama pudesse ter.

O final de “O silêncio da cidade branca” pretende ser um encerramento à “Seven – os sete crimes capitais”, mas a semelhança se limita à existência de uma dramaticidade supostamente inesperada (mas que é deveras previsível para um espectador que já tenha visto ao menos um bom filme de crime). Por sua vez, a premissa acaba recaindo em uma espécie de “O silêncio dos inocentes”, porém a distância qualitativa é abissal (aqui, a similitude parece ser exclusivamente no nome). Não adianta ter boas referências quando não se sabe como utilizá-las em seu favor.

Em tempo: o que Belén Rueda está fazendo ali? Que mancha no currículo!