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“O TREMOR” – A estrada simbólica e literal [44 MICSP]

O trabalho do jornalista pode ser bastante cansativo. As respostas muitas vezes não estão prontas, os relatos podem colidir e a história pode ser um enorme vazio. Em O TREMOR, realismo e ficção se unem em uma jornada que flerta com a fantasia mesmo sem tirar os pés do chão.

O protagonista do longa é um jornalista enviado por seu chefe a Kookal, uma vila destruída por um terremoto. Chegando no local, encontra pouquíssimas pessoas – ninguém disposto a ajudá-lo em relação ao terremoto, que cada vez parece mais uma lenda urbana do que um fato. Explorando a montanhosa região e em busca de evidências, o mistério aumenta na mesma medida em que o jornalista enfrenta uma neblina progressivamente espessa.

(© Fly On The Wall Films / Divulgação)

Escrito e dirigido por Balaji Vembu Chelli, o filme parece bastante um conto fantástico. O design de som da película é bastante autoral, com esmero tanto na trilha musical quanto nos sons diegéticos. No primeiro caso, as músicas transmitem uma sensação de estranhamento, em uma zona limítrofe com o cômico – uma delas, inclusive, é bem semelhante a “Na gruta do Rei da Montanha”, fragmento da obra 23, composta por Edvard Grieg para “Peer Gynt”, aventura escrita por Henrik Ibsen. Esta música clássica combina perfeitamente com o longa porque é pensada para uma estória de aventura, como é a empreitada do jornalista de “O tremor”.

Assim como a utilização intensa de câmera subjetiva, os sons diegéticos são centrados em ruídos comuns em uma zona predominantemente florestal e montanhosa. Sons de insetos e assobios de pássaros ajudam a colocar o público naquela atmosfera natural, principalmente quando o jornalista adentra na floresta. Também são ouvidos os seus passos, o que coloca o espectador em definitivo na atmosfera de mistério.

Para o jornalista (Rajeev Anand), trata-se da grande chance para a sua carreira decolar, pois o terremoto fatalmente será a principal notícia dos próximos dias. Estranhamente, nas estações de rádio, ninguém comenta o evento. Melhor seguir outros carros para não ficar sozinho na desconhecida região. Porém, qual a razão de não haver outros jornalistas? “O tremor” é muito mais sensorial e metafórico do que textual, exigindo que o espectador abrace a proposta para que aproveite o seu potencial.

A estrada é cheia de curvas e precária, com trechos sem terra e sem iluminação. Buscar respostas, é bom reiterar, não é fácil. O conforto do carro não pode ser garantia perene. As pessoas podem soar ameaçadoras pelo seu visual, pelo seu discurso ou mesmo fazendo troça do protagonista. Em quem confiar? Às vezes, sequer em si mesmo, considerando o enfrentamento do desconhecido, de um lado, e a visão prejudicada em razão da neblina, de outro. A neblina e a mulher com facão concedem uma aura fantasiosa à película, mas existe ainda mais a se explorar.

Um jornalista precisa encontrar fontes para narrar o evento para a sua matéria. O que fazer quando os depoimentos colidem? Pior: se a história for produto de um aumento indevido, na esteira do ditado popular “quem conta um conto aumenta um ponto”, o que fazer? Pode haver interesses escusos, vale a pena enfrentar pessoas poderosas e correr algum risco ao publicar a verdade?

São muitas dúvidas e pouquíssimas respostas – quiçá, nenhuma. Nem todas as perguntas têm resposta, nem sempre há fogo onde há fumaça. O que certamente existe é uma estrada longa, curvilínea, por vezes perigosa e extremamente incerta. O final dela pode ter o que se procura, pode ter uma parte, pode não ter absolutamente nada. Com “O tremor”, o foco está em pensar na estrada, simbólica e literalmente, não no terremoto. Ampliando o viés da interpretação, a estrada é a vida de qualquer um, não importando o final, mas o caminho. Talvez o significado da produção pareça oculto ou simbólico em demasia, mas a proposta de reflexão tem seu valor.

* Filme assistido durante a cobertura da 44ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.