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“OFERENDA AO DEMÔNIO” – Qualquer

O próprio título de OFERENDA AO DEMÔNIO – tanto o nacional quanto o original, “The offering” (“a oferenda”, em tradução livre) – é indicativo do quão genérico o filme consegue ser. Surpreendentemente, ele é ainda mais genérico do que parece, sendo um terror qualquer.

Arthur leva sua esposa grávida, Claire, para conhecer seu pai, Saul, que não via há muito tempo. A casa de Saul é também uma funerária, local para onde é levado um corpo que possuía Abyzou, uma perigosa entidade que agora pretende perturbar a família.

(© Paris Filmes / Divulgação)

No roteiro elaborado por Hank Hoffman a partir da história desenvolvida por ele e por Jonathan Yunger repousa um drama de filho pródigo que é meramente apresentado, jamais aprofundado. Assim, as informações são lançadas ao espectador sem um encadeamento lógico, apenas fingindo um subtexto por detrás do terror. Arthur tem um segredo que não compartilha sequer com Claire, porém o impacto desse segredo após sua revelação é praticamente nulo. As personagens secundárias são unidimensionais – Saul é o pai saudoso; Heimish, o amigo rancoroso – e não são poucas as lacunas textuais.

A alegação que geralmente se apresentaria para defender o filme seria a de que, em se tratando de um terror, não haveria necessidade de aprofundar o drama. Com esse raciocínio, se o gênero fosse bem trabalhado, ao menos o resultado não seria tão ruim. Entretanto, em seu segundo longa, o inexperiente diretor Oliver Park apresenta ao público uma mise en scène paupérrima, abraçando todos os clichês imagináveis, tais como o uso de panorâmica contrapondo uma imagem real à de um espelho, cenas de pesadelos de personagens e movimentações de objetos inanimados (luzes que se acendem ou portas que se abrem sozinhas, por exemplo). Os recursos de semiótica não poderiam ser mais reciclados (travellings se esgueirando pelo chão, iluminação indireta e escassez de luz etc.), quando não mal empregados (a maquiagem violeta dos corpos dos mortos é grosseira, assim como o uso das cores pelo design de produção não tem critério algum).

Diante desse panorama, Park tem nos jump scares uma relação em cadeia, provavelmente torcendo para que eles segurem sua obra – o que, evidentemente, não ocorre. Como se não bastassem os (supostos) sustos ocorrerem da maneira mais óbvia possível (aproximação ou aparição repentina de um objeto somada a um ruído alto da trilha), “Oferenda ao demônio”, em determinado momento, se torna risível, principalmente por três razões. A primeira se refere às idiotices das personagens, algo que funciona bem nas comédias que parodiam o gênero, mas que, atualmente, estraga um terror que se leva a sério (como neste caso). É difícil não rir quando Claire se esconde embaixo de uma mesa. O segundo motivo de humor acidental está nas atuações, merecendo destaque Nick Blood, cuja falsidade ao interpretar o pavor (e a tristeza) de Arthur é, em um sentido deturpado, apavorante. Também são engraçados, ainda, os diálogos travados pelas personagens, que vão da estupidez (“o pior que uma entidade dessas pode fazer é mexer com a sua mente” – e isso lá é pouco!?) ao nonsense (“os mortos já te contataram pedindo ajuda?”, como se agente funerário fosse sinônimo de médium), do vazio (“somos um povo muito incompreendido”) ao extremo da cafonice (“os mortos são como vivos, ainda precisam de amor”. Não há como levar a sério um ritual em que é dito “faz cócegas”.

O texto dos minutos iniciais do filme indica uma mitologia a partir da qual a narrativa foi elaborada. De fato, Abyzou é uma entidade mitológica de grande potencial. Porém, nem quando (se) explica, “Oferenda ao demônio” deixa de ser inconsistente. Dados interessantes do ponto de vista de sua simbologia nunca são aproveitados, como a origem judia de Arthur, sobretudo quando contraposta à outsider Claire (Emily Wiseman), que além de tudo é britânica. Falta ao longa aprofundar suas próprias premissas, seja em relação a Abyzou, a Claire, aos atritos familiares ou mesmo ao enfrentamento da entidade. Percebe-se que a obra é tão genérica que o demônio enfrentado poderia ser qualquer outro, pois não há nenhuma particularidade que o individualize. Parecendo um fauno de plástico de má qualidade, Abyzou é um demônio qualquer em um filme qualquer.