Nosso Cinema

A melhor fonte de críticas de cinema

“OITO MULHERES E UM SEGREDO” – Precariedade narrativa e excelência estética

Para ler a nossa crítica de “Onze homens e um segredo” (2001), clique aqui.

As primeiras duas cenas de OITO MULHERES E UM SEGREDO fazem um resumo simbólico do filme: precariedade narrativa e excelência estética. Na primeira, Debbie Ocean é apresentada ao público como uma futura ex-detenta injustiçada e condenada inocente. Ainda presa, ela usa uniforme de presidiária, alaranjado, com pouquíssima maquiagem e o cabelo desarrumado. Na segunda, Debbie está prestes a sair da prisão, revelando não ser tão ingênua quanto tentou fazer crer. Nesta, ela usa um vestido sofisticado, está bem maquiada e com o cabelo arrumado.

Como nos dois “Onze homens e um segredo” (o de 1960 e o remake de 2001), o filme é uma comédia de crime, agora mais cômica e, evidentemente, atualizada. Nos anteriores, Danny Ocean (Frank Sinatra no primeiro e George Clooney no segundo) era a mola propulsora de um crime grandioso e, em tese, infalível, sendo o responsável por reunir um grupo capaz de o cometer. É salutar que a revisitação agora seja com um time feminino, ainda que tendo como líder uma integrante da família Ocean (que é quem faz questão que o grupo seja apenas de mulheres). A conexão com os anteriores, para além do ponto de partida e do histórico familiar de Debbie (que gera algumas piadas), não é muito intensa, de modo que as diegeses coabitam. Do ponto de vista estrutural, há um passado afetivo comum e uma vice-liderança bastante similar.

De todo modo, “Oito mulheres” é autossuficiente – e, em termos de roteiro, suficiente. O texto é construído sem inovações consideráveis – por exemplo, um primeiro ato protocolar (apresentação e plano) e um implant de fácil percepção. Os elementos mais frágeis estão na motivação da personagem de Anne Hathaway (que não vai mal no papel, o problema é justamente o papel), facilidades assustadoras (infiltrações em especial) e a já mencionada pavorosa apresentação de Debbie. Por outro lado, o ponto de virada para o terceiro ato é boa surpresa com um discreto James Corden, mesmo considerando que o desfecho em si deixa um pouco a desejar no quesito criatividade. O filme só é mais inventivo nas sequências em que Debbie mostra o que sabe fazer melhor, em uma loja e em um hotel).

Sandra Bullock não faz a melhor atuação da sua carreira, mas é convincente (inclusive falando alemão) e carismática como sempre (isso deve estar no sangue da família Ocean). Do ponto de vista da atuação, ela é ofuscada por Cate Blanchett, que desenvolve uma persona bem peculiar em Lou. Em outras palavras, Bullock não muda muito em relação a papéis vividos anteriormente, o que não pode ser dito de Blanchett. Para a loira, um olhar de desconfiança alheia e confiança em si se transforma em elemento da construção da personagem, o que ocorre até mesmo com itens pequenos da mise en scène, como uma goma de mascar. Ainda sobre o elenco, Helena Bonham Carter é excelente interpretando a estilista Rose Weil, personagem cuja função narrativa combina muito com seu arco dramático. Além disso, Rose é a que mais precisa improvisar na trama, improvisações bem encaixadas no texto. Rihanna é discreta, mas não tem talento cênico – prova disso é que as boas piadas (como a relativa ao nome da personagem, que está no trailer) não atingem o potencial. As demais atrizes não se destacam muito, ainda que o roteiro se esforce em dar um mínimo conflito a todas.

Conforme já mencionado, o design de produção do longa é provavelmente o que ele tem de melhor. O figurino é corretamente eclético, já que as personagens são bem heterogêneas: Rose tem preferência por cores escuras e usa um vestuário extravagante; Daphne (Hathaway) aparece com vestidos belíssimos; Constance (Awkwafina) usa roupas de skatista como moletom e touca, normalmente em tons acinzentados; e Lou é a que tem o visual mais requintado – a personagem de Blanchett é bastante estilosa com um cabelo loiro bem claro, em corte chanel clássico levemente desfiado, além de roupas modernas, elegantes e joviais, majoritariamente em cores vivas.

Gary Ross filma o longa com uma câmera que se movimenta substancialmente, evitando cortes desnecessários, o que combina com a montagem dinâmica (a sequência final é ótima nesse aspecto). A trilha musical dá preferência a um pop alegre e agitado, sem dispensar clássicos como “Lara’s theme” (música-tema de “Doutor Jivago”) e a voz marcante de Charles Aznavour. Ross não quis arriscar em quase nada, no que resulta uma obra mais marcante por colocar mulheres nos holofotes do que por seus dotes cinematográficos.