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“ON THE ROCKS” – Versão apática de si mesma

O cinema de Sofia Coppola é minimalista na construção estética e no desenvolvimento emocional dos personagens. Para o público mais crítico desse tipo de narrativa, nada acontece em seus filmes; para o espectador integrado a essa sensibilidade, seus trabalhos mergulham no vazio espiritual resultante das expectativas das relações contemporâneas. De certa maneira, ON THE ROCKS remete à filmografia da realizadora, mas como uma versão impessoal, confortável, distanciada e menos expressiva de seus melhores dias.

(© Apple Productions / Divulgação)

Como em outros projetos da diretora roteirista, a protagonista não se sente pertencente a algum lugar no mundo. Laura é essa mulher, que cuida da casa e das filhas Maya e Theo, enquanto o marido Dean passa muito mais tempo no trabalho. A partir do momento em que ela começa a suspeitar que o esposo possa ter uma amante, reencontra seu pai Felix após alguns anos distante. O reencontro dos dois os leva por uma aventura em Nova York tentando investigar o eventual caso extraconjugal de Dean.

As semelhanças com “Encontros e desencontros“, “As virgens suicidas” e “Maria Antonieta” existem no que se refere à angústia existencial de personagens femininas. Apesar dos paralelos imediatos entre elas, Sofia Coppola dispensa as sutilezas e a criatividade da encenação para mostrar como o casamento sufoca Laura. Diferentemente dos contrastes entre vida interior e mundo exterior, das aparências projetas pelo subúrbio norte-americano ou da insuficiência de um ambiente de ostentação, as escolhas estilísticas da vez são óbvias e pouco impactantes: a rotina de levar as filhas para seus compromissos é mostrada de forma burocrática; a tentativa e gerar humor através da insistência de uma amiga de contar intimidades para Laura é tímida; e as perdas que a mulher teve ao se tornar mãe e esposa são retratadas didaticamente (não conseguir mais assobiar, sofrer com um bloqueio criativo para escrever e ainda ver seu relacionamento ser simbolizado convenientemente por um piada de stand-up exibida na TV).

No entanto, o roteiro da cineasta consegue elaborar alguns momentos eficientes de paranoia e desconfiança em relação a Dean. Isso acontece especialmente quando as primeiras sequências transitam rapidamente da felicidade da concretização do matrimônio para as inseguranças da esposa em face do distanciamento emocional do marido; além disso, as suspeitas são construídas com base em pequenos detalhes que deixam uma atmosfera ambígua para uma protagonista incerta de como levar sua vida (objetos incomuns na mala de Dean, constantes viagens de trabalho e a proximidade de uma assistente). Ainda que sejam elementos bem inseridos com calma e tranquilidade, eles empalidecem pelo fato de a narrativa não lidar conscientemente com os problemas na postura do homem, como o desinteresse pela vida familiar, a entrega total ao trabalho e o presente de aniversário machista para a esposa.

Quando se trata de levantar suspeitas, a presença de Felix amplia os temores de Laura quanto a uma eventual traição. Por sinal, é o pai que transformam um incômodo na relação em uma sensação maior e conduz a filha por um percurso de investigação como se fossem detetives – a partir da reorientação do tom da narrativa, a obra oferece as passagens mais interessantes ao evocar uma comédia de absurdos na perseguição a Dean, na vigilância sobre ele e na busca por pistas comprometedoras. Por outro lado, a abordagem da cineasta para uma história de detetives às avessas é muito controlada e indiferente, deixando de aproveitar os exageros das situações em uma decupagem mais estilizada. Em geral, as cenas são convencionais e o humor parece preso sem se concretizar, à exceção do modo como uma perseguição de carro se inicia, desenvolve e se encerra ironicamente.

Esse mesmo momento também possibilita identificar outra potencialidade da realizadora que está ausente aqui. Em boa parte de sua carreira, ela integrou muito bem os cenários aos conflitos dramáticos de seus personagens como pode ser observado em “Encontros e desencontros“, mais próximo das características do projeto mais recente. Se as movimentadas ruas de Tóquio com letreiros tecnológicos aumentam a solidão da personagem de Scarlett Johansson, as locações em Nova York são meramente uma paisagem onde a ação ocorre sem maiores relações com Laura, Felix e Dean. Há ainda um uso muito pobre da natureza em um resort mexicano, chegando ao ponto de fazer um plano geral do ambiente somente para ilustrar rapidamente um comentário de Felix sobre o local onde ele e a filha estavam.

Ao longo da progressão da narrativa, a produção revela o que é a essência de suas decisões dramáticas: explorar a dinâmica entre pai e filha, principalmente quando eles são tão diferentes e possuem questões mal resolvidas do passado. Os conflitos envolvem a personalidade antiquada do bon vivant Felix, marcada por flertes constantes a toda a mulher que encontra e por visões pseudointelectuais sobre as relações entre homens e mulheres (como suas teses biológicas sobre os instintos masculinos). Da parte de Bill Murray, o personagem recebe facetas variadas que transitam entre a comédia e o drama sem simplesmente vilanizá-lo; e da parte de Rashida Jones, a protagonista torna palpável o impasse entre conviver com o pai e lidar com a influência exercida em sua vida. Porém, a dramaturgia desse núcleo não se entrega verdadeiramente aos sentimentos dessa relação, o que afasta o espectador sempre incapaz de se conectar aos ressentimentos da família.

Se o minimalismo de Sofia Coppola produziu efeitos dramáticos e estéticos expressivos em seus trabalhos anteriores, o mesmo não acontece em “On the rocks“. Faltam a energia e a sensibilidade particulares da diretora para costurar uma trama que não soe blasé e distanciada, especialmente na forma como lida com a trajetória de uma protagonista descontente com uma possível crise em seu casamento e com a postura de Felix. Os dois segmentos se desenvolvem até chegar a conclusões muito cômodas e fáceis, que basicamente fazem parecer os conflitos menos significativos do que aparentavam e as últimas confrontações entre os personagens se tornarem recursos apressados para o desfecho. As soluções são tão seguras e estéreis que poucas mudanças ocorridas impactam Laura (ela volta a escrever) e uma metáfora óbvia ilustra suas novas escolhas (a troca de relógios). Assim, o filme remete apenas a uma caricatura empobrecida da cineasta.