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“ONE FINE MORNING” – Três filmes [46 MICSP]

O que existe em ONE FINE MORNING é a união de três filmes bem conhecidos. O primeiro é um filme familiar leve e descontraído; o segundo, um drama romântico; o terceiro, um melodrama sobre a senescência. Nenhum deles impressiona ou deixa marcas, mas é possível se emocionar em alguns momentos.

Sandra é uma mãe viúva que toma conta sozinha da filha e divide com outros familiares os cuidados com o pai. Sobrecarregada com essas atividades, aliadas ao trabalho como tradutora, era reencontra Clément, um amigo que não via há bastante tempo, hoje casado, e com quem inicia um romance.

(© Mubi / Divulgação)

O filme familiar leve e descontraído é o que se refere às relações de Sandra com sua mãe e com sua filha. Aquela, interpretada por Nicole Garcia, funciona basicamente como alívio cômico, pois a personagem é uma ativista política que corre riscos e depois os compartilha justamente para dar risadas. Esta, vivida pela pequena Camille Leban Martins, é uma criança doce e bastante apegada à genitora. Enquanto Françoise (Garcia) tem diálogos ácidos com a protagonista (falando sobre o quão ruim foi o casamento com Georg, sobre a situação política francesa etc.), Linn (Martins) compartilha com ela poucos (mas preciosos) momentos de diversão (como na cena do sorvete). Sandra encontra dificuldade em equilibrar seu tempo, incorrendo em atraso para assistir à menina na esgrima, o que explica o problema de saúde inventado pela infante, uma invenção instintiva para manter a mãe perto.

O drama romântico é protagonizado por Sandra com Clément, papel de Melvil Poupaud. Como o roteiro de Mia Hansen-Løve não tem muitos diálogos entre o casal, o resultado é que Poupaud deixa a desejar na interpretação de um homem dividido entre um amor fulminante e uma família aparentemente sólida. Por isso, Clément mantém Sandra na condição de amante, dificultando o relacionamento entre os dois (principalmente nas raras ocasiões em que saem em público). Hansen-Løve enfatiza que o caso é bastante carnal (inclusive com uma estranha desproporção de nudez da atriz principal comparada ao coadjuvante), não deixando claro se essa condição é resultado das limitações (já que não podem sair de casa) ou se é de fato a vontade de ambos. Na prática, Sandra se relaciona com um homem que reluta em ficar tanto sem a esposa (usando o filho como justificativa) quanto sem a amante.

O terceiro núcleo do longa é o mais promissor, sobretudo pela atuação impactante de Pascal Greggory no papel de Georg, pai de Sandra. Com uma doença neurodegenerativa, ele precisa de assistência para tudo o tempo todo, complicando ainda mais a vida da protagonista. Nada que não tenha sido visto antes no cinema, é verdade, mas há minúcias que merecem destaque. Uma delas é o relacionamento de Georg com Leila, sobre quem ele pergunta e com quem ele se preocupa o tempo todo – mesmo sendo Sandra quem está constantemente em sua companhia, causando nela uma frustração por não figurar entre as pessoas mais importantes da sua vida (o que ele expressa verbalmente, inclusive). Por outro lado, Sandra também expressa que o pai já não mais existe, apegando-se mais aos objetos associados a ele do que à sua pessoa. De acordo com ela, é possível sentir-se mais próximo do genitor com seus livros do que na sua presença, raciocínio que o filme demonstra não ser o único quando compara o relacionamento de Sandra com Georg face ao das enfermeiras (uma delas diz que ele é gentil e que ela tem sorte, a outra ressignifica o cuidado enquanto companhia). Neste núcleo está também a bisavó de Linn, que tem um excelente monólogo sobre envelhecimento. É uma pena que o longa seja raso nesse quesito, como quando menciona a eutanásia em dois diálogos breves.

Nos três filmes de que participa, Léa Seydoux cria em Sandra três personagens sutilmente distintas: no primeiro, ela é uma mãe que blinda a filha de seus problemas e age de maneira compreensiva em relação ao comportamento típico da criança em razão da idade; no segundo, uma mulher que se fechou ao amor e que por isso se sente desconfortável com ele até perceber que pode e quer ter mais conforto; no terceiro, uma filha antecipando um luto doloroso. Como de costume, a atriz está muito bem, ainda que o filme não se proponha a nada memorável. Sandra parece viver em um pêndulo de bons e maus momentos (imageticamente representado pelas cores que costuma usar no vestuário, uma fria, o azul, outra quente, o vermelho), mas nunca de momentos inesquecíveis. Ao invés de três filmes medianos, “One fine morning” seria melhor se fosse apenas um filme muito bom.

* Filme assistido durante a cobertura da 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.