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“OS CAÇA-FANTASMAS” – O paranormal pode ser mundano

Na década de 1980, alguns filmes se tornaram referência para a época, especialmente aqueles que se baseavam no humor ou na aventura para criar suas narrativas. Longe de serem as únicas características daquele tempo, são traços tão marcantes em Hollywood que não convém ignorar como aparecem frequentemente em títulos como “Os goonies”, “Um tira da pesada“, “Clube dos cinco“, “Conta comigo“, “Quero ser grande“, “Os aventureiros do bairro proibido” e tantos outros. Seria possível analisar OS CAÇA-FANTASMAS dentro desse recorte, mas será a única perspectiva viável? E se a proposta fosse relativamente diferente para pensar que a atual obsessão pela verossimilhança não estava tão presente em muitas produções dos anos 1980 e até era parodiada?

(© Columbia Pictures Corporation/ Divulgação)

Ironizar as explicações e o desenvolvimento de fenômenos paranormais é uma escolha de Ivan Reitman na direção e de Dan Aykroyd e Harold Ramis no roteiro do projeto de 1984. A equipe de cientistas formada pelos doutores Egon, Ray e Peter perde o emprego em uma universidade de Nova York. Então, o trio decide abrir o próprio negócio de caçadores de fantasmas com a alta tecnologia que desenvolveram. Com isso, eles se deparam com uma porta de entrada para outra dimensão que lança uma grande ameaça sobre a cidade.

Após a década de 1980 e em diferentes contextos, o cinema estadunidense passou por conjunturas em que se esperava que os filmes fossem realistas, criassem vínculos de verossimilhança com o mundo não diegético e justificassem detalhadamente cada aspecto de suas tramas ou estéticas. Foi assim que filmes de super-heróis da DC exageraram na atmosfera séria e sombria, de ficção científica criavam justificativas científicas coerentes para suas especulações e de terror reduziam o caráter fantástico em favor apenas de uma construção dramática e psicológica. Por sua vez, Ivan Reitman opta pela fantasia e pelo exercício de imaginação que não se restringem ao cotidiano racional ou a um gênero cinematográfico específico. O diretor prefere transitar por estilos que conversam com a história incomum de cientistas lutando contra o sobrenatural e menos com alguma sequência lógica: o suspense construído para a aparição das entidades fantasmagóricas, a ficção científica criada para os embates entre os homens e os fantasmas, a fantasia concebida para a caracterização das criaturas e a comédia resultante das ações inesperadas tomadas pelos personagens.

Colocando em comparação todos os estilos trabalhados pela narrativa, comédia e ficção científica predominam. E a combinação entre os dois gêneros também geram efeitos opostos aos que aconteceriam se a obra fosse realista e preocupada em explicar tudo. O ponto de partida é a ficção científica ao estabelecer como conflito central a manifestação de seres paranormais em Nova York, que podem possuir os humanos, assustar quem estiver por perto ou destruir a cidade. Quando a trama insinua que a apresentará explicações concretas ou uma contextualização realista, fatos banais do cotidiano ou elementos nem um pouco sobrenaturais são invocados. Os cientistas abrem a empresa de caçadores de fantasmas por dinheiro, fazem seu primeiro grande serviço como se fossem dedetizadores de um hotel (inclusive, mais destruindo o local do que trabalhando discretamente como prometiam), se tornam celebridades ao ficarem conhecidos pela população (uma montagem paralela mostra suas participações em talk shows e suas aparições em capas de revistas sobre os direitos civis dos fantasmas e a dieta dos caçadores) e enfrentam a oposição de um fiscal do meio ambiente. Cada resolução de cena produz humor por não ser algo previsível no contexto inicial.

Outros recursos assim intensificam os efeitos cômicos ao longo da narrativa (como a semelhança dos cientistas com bombeiros, inclusive saindo para a ação após receber um chamado e descer do segundo andar por um poste característico), mas todos dependem do elenco principal. Se não fossem os personagens também marcados pela estratégia de utilizar traços da vida real como fonte de humor, essa perspectiva poderia se fragilizar. Os caçadores não são exatamente os mais compenetrados em suas tarefas inicialmente: Egon é o responsável pela parte intelectual das armas para captura dos fantasmas, mas não é tanto um homem da ação; Ray parece ser o mais interessado nas pesquisas paranormais, apesar de se preocupar bastante com os custos das atividades; Peter é um mulherengo interessado em usar a ciência para se aproximar de mulheres ou a fama de caçador de fantasmas para conquistar Dana; e Winston entra para a equipe de forma pragmática aceitando o que for se o pagamento fosse bom. Entre todos ali, a figura mais icônica é o Peter interpretado por Bill Murray, certamente um de seus trabalhos mais lembrados.

A entrada de personagens coadjuvantes e a progressão dos conflitos mantêm a ideia de fazer a vida comum atravessar aquele universo sobrenatural como pitadas de humor. Dana aparece como uma vítima das criaturas de outra dimensão e quando corre mais perigo passa a ter uma cômica tensão sexual com Peter, já Louis surge como um homem carente e inconveniente na insistência de ficar próximo a Dana que se animaliza quando as criaturas aumentam o cerco sobre ele. Além disso, o roteiro brinca com a possibilidade de dar maiores explicações sobre o que os monstros querem ao não desenvolver uma mitologia apenas sugerida com deuses sumérios antigos e Guardiões da Chave. Na verdade, o desenvolvimento e a conclusão dos conflitos reafirmam a comédia inusitada, pois Peter convence o prefeito a deixar os cientistas agirem alertando para os benefícios eleitorais do seu ato, um momento eufórico de união da equipe é substituído por uma trivial e cansativa subida para a cobertura de um prédio pelas escadas e o vilão se materializa em um gigantesco ser infantilizado no clímax.

Levando em consideração a dualidade entre ser mais realista ou mais fantasioso, o filme poderia explorar os efeitos visuais de acordo com qualquer uma das duas intenções. A propósito, este aspecto técnico costuma ser um daqueles que mais são analisados segundo critérios de realismo ou verossimilhança e criticados se por acaso revelam explicitamente seu caráter “artificial”. Porém, os efeitos visuais, assim como os demais elementos da linguagem cinematográfica, não deveriam ser examinados a partir das propostas do universo diegético? Se uma obra se propõe a ser fantasiosa, por que exigir que sua concepção visual seja próxima a nossa realidade? Nesse sentido, “Os caça-fantasmas” prefere coerentemente a construção fantástica de criaturas (afinal, como seres de outras dimensões poderiam ser realistas?) através dos efeitos práticos de animatrônicos e de alguns efeitos computadorizados. Mesmo que a passagem do tempo sirva de justificativa para criticar o envelhecimento dos efeitos visuais, essa tecnologia “datada” não poderia aprofundar a dimensão fantasiosa da produção?

São muitos os fatores que tornaram “Os caça-fantasmas” representativo da década de 1980, que tem muitos fãs e deixou marcas no cinema estadunidense contemporâneo. Podem ser as atuações de Bill Murray e Dan Aykroyd, os design dos fantasmas, as roupas e equipamentos dos caçadores de fantasmas, o símbolo de um fantasma cortado por uma linha vermelha na diagonal e a emblemática canção “Ghostbusters“. Por outro lado, o filme também alerta para os perigos de se buscar exageradamente uma construção artística que se explique por completo e se aproxime significativamente do real. O cinema não é um retrato perfeito da realidade extrafílmica nem uma forma de expressão puramente racional. Às vezes, uma equipe de caçadores de fantasmas ajudam a perceber que a arte também é fantasia, mistério e imaginação.