Nosso Cinema

A melhor fonte de críticas de cinema

“OS INVENTADOS” – Do “eu” para o “nós” [45 MICSP]

Adotar uma nova identidade pode ser uma maneira boa de fugir de si. É isso que o protagonista de OS INVENTADOS quer, já que não está satisfeito com o que tem. Entretanto, ele se sente excluído quando algo misterioso acontece com o grupo que, assim como ele, participa de uma atividade para ser uma nova pessoa. Talvez a questão não seja o “eu”, mas o “nós”.

Lucas trabalha em um call center, mas quer ser ator. Para aprimorar suas habilidades de atuação, ele participa de um workshop no qual todos devem criar uma identidade completamente nova e, durante alguns dias, adotar essa identidade para si o tempo todo. A cada dia, porém, um participante desaparece, de modo que os remanescentes afirmam desconhecer a existência do desaparecido. Lucas não compreende os sumiços e se sente deixado de fora de um acordo em que todos estão cientes desse contexto, menos ele.

Considerando que se trata de um longa escrito e dirigido a seis mãos – Leo Basilico, Nicolás Longinotti e Pablo Rodríguez Pandolfi -, há bastante coerência no trabalho. A trilha musical, apostando em uma percussão compatível com uma comédia de estranhamento, combina com o uso de lente grande-angular em diversos planos filmados dentro da casa onde ocorre o workshop (como na cena em que Lucas mexe em um armário). A proposta do filme é, de fato, causar estranhamento na plateia, que se identifica com Lucas porque, como ele mesmo ressalta, em tom passivo-agressivo no diálogo com Veró, ele é o único que não é esquisito. Ela o acusa, ele insiste que não é; se o espectador vê o mesmo que ele, sem saber o que ocorre nos “bastidores” (por que os outros somem? Para onde eles vão?), a indignação é similar à do protagonista.

Juan Grandinetti é um bom protagonista, sobretudo quando externa a raiva que até então continha sobre os desaparecimentos. O que o incomoda, na verdade, não é o fato de os demais sumirem, mas a naturalidade com que isso ocorre, tornando-se o único – junto do espectador, é claro, sua testemunha – a perceber e então se revoltar com tais sumiços. Raúl (Iván Moschner) não avisou que nada disso aconteceria, muito menos que seria necessário fingir que não aconteceu. É realmente intrigante que ocorram os desaparecimentos, mas a chave para compreender tudo está na cronologia.

Nos minutos iniciais, Lucas aparece em um teste para atuação. Depois, ele vai ao trabalho. Em seguida, recebe as primeiras orientações do workshop. Acontece que as atividades não se iniciam logo após, pois ele retorna ao trabalho, descobre sobre o workshop e aí sim este começa. Não se trata de uma linearidade, mas de um indício de que a cronologia ali não é exata – o que é reforçado quando a montagem, sem aviso, mostra a atuação de Lucas quando estava na infância, interrompendo a narrativa que se construía até então. De igual modo, o que parece ser um sonho de Lucas, envolvendo Verónica (Verónica Gerez), não é um déjà vu, tampouco uma cena onírica, mas uma temporalidade fragmentada e inexata na qual o final pode ser encarado como o começo. Isto é, se o filme for interpretado de trás para frente, tudo passa a fazer sentido.

Evidentemente, não se trata da única visão possível para “Os inventados”. Existe latente, ainda, uma reflexão sobre a identidade, já que a proposta do workshop é o abandono de si para a incorporação de um novo eu. No teste que Lucas faz no começo, ele está em meio a rapazes bem semelhantes (todos jovens, magros, com um pouco de barba e de camisa jeans), o que dificulta que se destaque. Quando retorna ao local e encontra atores mascarados, provavelmente pensa que seria mais fácil também usar máscara, pois assim sairia de si sem maiores dificuldades. A vontade de sair de si é corroborada pela sua participação em “Conta comigo”, que não é destaque em seu currículo e negada quando diretamente questionada.

O protagonista não está satisfeito com seu trabalho, precisando que Albert, seu cachorro, o acorde para não perder o horário (atrasando-se quando o animal de estimação não age). Lucas não quer ser excluído do acordo entre os participantes do workshop, contudo se sente confortável sendo Matías – exceto, claro, quando Veró solicita o uso de seus (falsos) conhecimentos médicos. Na primeira parte do filme, se veste de cores frias, como azul e cinza, o que transmite a sua insatisfação. Durante o workshop, porém, passa a se vestir de cores progressivamente quentes, do nude ao rosa, pois começa a se sentir confortável. Isso, claro, até vir o desconforto, quando retorna ao cinza. Fugir de si mesmo é um alento, mas não quando o estranhamento (quanto aos sumiços) gera isolamento (já que todos, em tese, sabem o que acontece, menos ele). Nesse caso, talvez seja melhor que Lucas seja Lucas, pois o problema não está apenas em Lucas, mas no círculo no qual ele se insere.

* Filme assistido durante a cobertura da 45ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.