“OS MERCENÁRIOS 4” – Centralizado em Jason Statham
A franquia “Mercenários” é tributária do cinema de ação brucutu dos anos 1980 de Hollywood. Alguns nomes são referências nesse tipo de filme desde seu período de auge e outros se aproximaram nas décadas seguintes. Em 2010, a ideia era tentar reunir atores identificados com histórias repletas de tiros, explosões e lutas, como Sylvester Stallone, Jason Statham, Jet Li e Dolph Lundgren. Dois anos depois, a continuação expandiu seu universo e trouxe mais estrelas do gênero, como Arnold Schwarzenegger, Jean-Claude Van Damme, Bruce Willis e Chuck Norris. O terceiro filme apostou no rejuvenescimento do elenco com atores não profissionais e da luta livre. O que restaria a OS MERCENÁRIOS 4 tentar fazer?
Na nova missão, Barney, Lee e Gunnar e Toll terão a companhia de outros mercenários mais jovens. Gina, Easy Day, Galan e Lash se unem à velha guarda para tentar evitar um conflito mundial, cuja eclosão pode fazer um antigo inimigo de Barney lucrar muito. Para isso, a equipe precisará impedir Rahmat, o braço direito do vilão, de se apoderar de armas nucleares e detonadores. Ao longo da missão, eles também precisarão desvendar a identidade do vilão sem poderem confiar em todos que estão ao seu redor.
O questionamento do primeiro parágrafo não pode ser respondido de modo tão claro. O diretor Scott Waugh oscila entre as tentativas de fazer a trama ter um espírito oitentista e promover Jason Statham como figura central dos novos rumos da franquia. Quando a narrativa tenta explorar piadas típicas da década de 1980 (referências eróticas ou escatológicas, manifestações infantilizadas de testosterona e resolução violenta de conflitos), as situações soam deslocadas em um tempo diferente que não mais produz esse tipo de humor. Além disso, Megan Fox e Levy Tran são sempre sexualizadas em representações objetificadas de suas personagens, que também não cabem mais. Enquanto isso, a comédia em torno do ator é um pouco mais bem-sucedida ao trabalhar a interação com Barney (a primeira sequência no bar) e o estranhamento de imaginar Lee trabalhando fora da equipe (a sequência em que atua como segurança particular).
Em outros momentos, a discrepância entre Jason Statham e os demais elementos da produção é realçada. O ator não tem um grande alcance dramático, mas possui à sua disposição o único arco maior centrado nas ideias de irmandade, vingança e sacrifício. O resto do elenco se reduz a caracterizações simplistas ou à desorientação dentro da cena. Sylvester Stallone assume um papel bem coadjuvante com pouco tempo de tela apenas para disparar o conflito; Andy Garcia não explora a caricatura da figura que interpreta e se entrega por mais tempo a uma seriedade incompatível. Megan Fox se resume a estereótipos da mulher histérica ou objetificada e se mostra perdida nas sequências de ação; Dolph Lundgren representa o peso da idade por conta da miopia e de um estranho corte de cabelo. Já os demais atores ficam reféns de piadas sexuais ou sobre características físicos que sintetizam personagens desinteressantes e aborrecidos.
Conforme a missão se desenvolve, a narrativa tenta trazer à tona o espírito de outro período. Existe uma irreverência no cinema de ação da década de 1980, que se manifesta em uma trama que prioriza a adrenalina de grandes cenas em detrimento de uma progressão lógica e complexa. Em meio à tarefa de recuperar as armas nucleares, os mercenários passam por um mosaico de abordagens e estilos narrativos saídos do passado oitentista: aventura em equipe, arco de vingança, bomba na iminência da explosão, identidade desconhecida do vilão, sugestão de traições, presença de um capataz sob as ordens do antagonista e reviravoltas na resolução. Porém, nenhum desses aspectos ou tropos narrativos recebe um tratamento expressivo, já que não adota uma postura de homenagem, atualização crítica ou alusão cômica descompromissada. No fim das contas, as citações ao cinema brucutu parecem uma obrigação a ser cumprida sem qualquer alma ou identidade própria.
Faltar uma energia envolvente é uma consequência do desequilíbrio entre a importância dada para Jason Statham e a desatenção a todo o resto, inclusive as sequências de ação. O ator é o único empenhado em dar alguma força emocional a esses momentos em termos cômicos, dramáticos e fisicamente enérgicos. A própria encenação se interessa apenas por ele com a criação de set pieces um pouco mais interessantes, como o uso de motos nos confrontos em uma embarcação. Em contrapartida, tudo que seja diferente de Jason Statham é menosprezado, sobretudo Tony Jaa e Iko Uwais, atores habilidosos na realização de coreografias de lutas que são desvalorizados por pouco tempo de tela e baixo impacto dentro das cenas. No conjunto geral, o filme se estrutura com um número não tão alto de cenas de ação e em espaços específicos, o que seria positivo para não deixá-lo megalomaníaco não fossem a falta de refinamento na conclusão dos efeitos especiais e a sensação de preguiça para o uso de locações produzidas rapidamente e sem cuidado em estúdio.
É possível que parte dos espectadores se questione se “Os mercenários 4” não deveria ser simplesmente analisado como um filme de ação que proporcione tiros, explosões e lutas dentro de um ritmo dinâmico. Esta alegação até faz certo sentido, pois não se pode esperar que o roteiro seja original e os debates temáticos sejam profundos. No entanto, o que Scott Waugh cria fica aquém desse potencial específico. E não se trata de desmerecer os “clichês” de uma trama que busca uma reviravolta no final. Trata-se de assimilar os problemas de uma obra que não sabe dar um direcionamento mais coeso para si. Nos dois primeiros filmes, havia os propósitos de reunir estrelas do gênero se levando a sério e de brincar com seu próprio estilo brucutu. No quarto volume da franquia, é muito pouco escolher Jason Statham como único aspecto que se importa na narrativa e deixar todo o resto como um rascunho mal acabado.
Um resultado de todos os filmes que já viu.