“OS ÓRFÃOS” – Não diz nada
Enquanto gênero, o terror é prolífico para metáforas inteligentes ou ao menos sensações autênticas no espectador. OS ÓRFÃOS entra na vala comum de filmes de terror que se esforça para ser ruim, não tendo inteligência, tampouco estimulando a sensibilidade do público. Na prática, a película não se justifica.
Tudo começa aparentemente como um conto de mansão mal assombrada. Kate, uma jovem professora, é recomendada pela escola onde dá aula para se mudar para uma casa de uma família rica, onde seria governanta e lecionaria para uma menina órfã de sete anos, Flora. No local, moram também Miles, irmão de Flora, e a senhora Grose, uma empregada que trabalha há anos para a família. Não tarda para que Kate desconfie da presença de outros moradores na casa.
Baseado no romance “A volta do parafuso”, de Henry James, causa estranheza que Carey Hayes construa um texto tão pobre em todos os quesitos. Pelo que parece, Kate aceita o trabalho apenas por empatia, pois fica com pena de Flora, largando seus vinte e cinco alunos por uma pequena e até então desconhecida órfã. Ela não tem as credenciais para ser governanta e dinheiro não seria problema para a família, mas ainda assim é contratada (ao invés de alguém mais capacitado).
Após uma apresentação da mãe de Kate, isolada em razão de doença psiquiátrica, o filme se apoia exclusivamente na estranheza. Para uma aparente história de mansão mal assombrada, a residência imponente, os enormes jardins e a paisagem de outono são coerentes. Nessa parte, a direção de Floria Sigismondi parece seguir a cartilha do estilo. Porém, há uma enorme dificuldade em relação ao ponto de foco: em um primeiro momento, parece que o tema é o privilégio das crianças, por serem ricas; depois, tudo aponta pela criação delas, para a qual é necessário ter pulso firme; por fim, surge um novo plot muito mal explicado. Uma verdadeira bagunça.
Enquanto Kate tenta se acostumar com o novo emprego, a estranheza de tudo aquilo gera algum interesse. Seria “Os órfãos” o novo “Os outros”? Não. A Sra. Grose (Barbara Marten) é ríspida, protegendo demasiadamente as crianças simplesmente porque são ricas. Flora (Brooklynn Prince), por outro lado, parece uma criança comum quando Kate (Mackenzie Davis) a conhece. Exceto por largar cabeças decepadas (o que a Sra. Grose ignora), ela apenas faz criancices. Já Miles (Finn Wolfhard) tem um perfil de pré-adolescente rebelde, algo que não ingressa na esfera do surreal.
Contudo, nada disso tem explicação convincente. Por que a Sra. Grose protege tanto a dupla? Por que Flora decepou as bonecas? No caso de Miles, a rebeldia pode ter fundamento no plot que surge tardiamente, porém ele é contraditório por, a depender do momento, aceitar ou temer as supostas assombrações (às vezes, parece que estão do lado dele, em outros momentos, ele também parece ter medo delas). É fundamental ressaltar que as assombrações são supostas, porque há uma insistência do texto em deixar a plateia em dúvida. No começo, Kate desconfia de tudo e de todos (ideia que o espectador até pode comprar). Depois, as circunstâncias fazem com que o público desconfie de Kate. Ela vai ficando mais e mais perturbada, tendo incontáveis alucinações, sem nenhuma progressão narrativa.
Ainda mais grave, as alucinações não conseguem ter um simbolismo minimamente inteligente. Esse é, inclusive, um defeito da obra como um todo. Por exemplo, os nomes dos cavalos da família – Sansão e Dalila – levam à automática conclusão de que se trata de uma referência à passagem bíblica (Dalila seduziu e traiu Sansão ao revelar para os filisteus o segredo de sua força extraordinária). Talvez o encaminhamento dado ao plot permita induzir uma leve inspiração, mas isso não fica claro. Mesmo que essa associação fosse inequívoca, o roteiro conta com um plot twist desnecessário e deplorável, enveredando por um caminho que não faz sentido com o anteriormente trilhado. Soa como um arrependimento em relação ao que foi feito justificando uma rota completamente nova. Em síntese, é incoerente e faz com que tudo que o preceda pareça perda de tempo.
“Os órfãos” não exagera no emprego de jump scares como fazem muitos filmes de terror, tendo um design de produção razoável (apostando bastante na cor vermelha, com simbologia óbvia, em diversos componentes do campo) e um elenco que não compromete. Entretanto, o longa não consegue dizer a que veio – ou, mais precisamente, não consegue dizer nada. Quando ele acaba, a cena que aparentemente vai ocorrer durante os créditos, ao fundo, surge como uma esperança de desfecho. Todavia, é uma esperança vã. A vagueza do encerramento reforça o enorme vazio em que o filme resulta.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.