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Oscar 2018: Análise dos vencedores

Qual é o melhor filme?

Dos nove indicados (“Me Chame Pelo Seu Nome”, “O Destino de uma Nação”, “Dunkirk”, “Corra!”, “Lady Bird: A Hora de Voar”, “Trama Fantasma”, “The Post – A Guerra Secreta”, “A Forma da Água” e “Três Anúncios para um Crime”), três títulos eram os favoritos: “Corra!“, “A Forma da Água” e “Três Anúncios para um Crime“.

Os números dariam explicações interessantes se o desfecho fosse diferente do que foi. Se “Corra!” vencesse, a Academia estaria mantendo uma tradição de considerar como melhor filme o que tem o melhor roteiroIsso vem acontecendo desde 2013: em 2017, “Moonlight: Sob a Luz do Luar” (melhor roteiro adaptado e melhor filme); em 2016, “Spotlight – Segredos Revelados” (melhor roteiro original e melhor filme); em 2015, “Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância)” (idem); em 2014, “12 Anos de Escravidão” (melhor roteiro adaptado e melhor filme); em 2013, “Argo” (idem). Isto é, a última vez que o melhor filme não foi o vencedor na categoria de melhor roteiro tinha sido em 2012, quando “O Artista” venceu como melhor filme, enquanto “Meia-Noite em Paris” ficou como melhor roteiro original e “Os Descendentes” como melhor roteiro adaptado. Esse fato se repetiu agora em 2018.

Depois de ganhar na categoria de direção, a vitória como melhor filme se tornou improvável para “A Forma da Água”. Em 2017, o melhor filme foi “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, mas o melhor diretor foi Damien Chazelle, por “La La Land: Cantando Estações”; em 2016, o melhor filme foi Spotlight – Segredos Revelados”, mas o melhor diretor foi Alejandro González Iñárritu, por “O Regresso”; somente em 2015 que “Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância)” venceu nas duas categorias (premiando Iñárritu na direção). Antes disso, o feito havia ocorrido apenas em 2012, quando Michel Hazanivicous venceu como melhor diretor por “O Artista”, eleito também melhor filme. Ou seja, não é comum que um filme ganhe nessas duas categorias nobres. É por isso que tudo indicava que “Três Anúncios para um Crime” venceria como melhor filme, inclusive após ter ganhado o BAFTA (e a despeito de ter perdido o prêmio do sindicato dos produtores para o filme de del Toro).

Mas os votantes da Academia não quiseram que prevalecesse a lógica do roteiro, que poderia premiar “Corra!” ou (menos provável) “Me Chame Pelo Seu Nome”. E também não viram problema em repetir o vencedor na categoria de direção. “A Forma da Água”  venceu em quatro categorias (das treze em que foi indicado) – melhor filme, melhor diretor, melhor design de produção e melhor trilha sonora -, consagrando-se merecidamente como o grande vencedor da noite.

O longa é realmente o melhor? Quando os filmes alcançam certo patamar de qualidade, a distinção entre um e outro reside no campo pessoal, especificamente na esfera da passionalidade. Que o filme é excelente não há dúvida, já que fez história na sétima arte (o recordista de indicações até hoje foi “La La Land: Cantando Estações”, com quatorze, ano passado). Se é ou não o melhor é difícil e inócuo afirmar.

E os demais ganharam o quê?

O vice-campeão foi “Dunkirk”, com três estatuetas ganhas: melhor edição de som, melhor mixagem de som e melhor montagem. Não se pode contestar tais vitórias, pois, do ponto de vista exclusivamente técnico, o filme é realmente soberbo. Toda a emoção que lhe falta ele compensa na técnica.

O alardeado “Três Anúncios para um Crime” não conseguiu se dar bem com seu Oscar bait, abocanhando duas estatuetas de atuação: melhor atriz (Frances McDormand) e melhor ator coadjuvante (Sam Rockwell). Ainda que previsível a vitória de McDormand, Sally Hawkins teve mais mérito em seu trabalho delicado. Enquanto esta precisou interpretar com pouco material, àquela bastou força explosiva e agressividade, o que, no senso comum, é sinônimo de boa atuação. É um trabalho mais fácil, isso sim.

Ainda na atuação, “O Destino de uma Nação” venceu na categoria de melhor ator, dando a Gary Oldman o Oscar que ele certamente aguardava há muito. O filme ficou com duas estatuetas, pois venceu também na categoria de maquiagem e penteado.

Com duas estatuetas ficaram também “Blade Runner 2049” (fotografia e efeitos visuais) e “Viva – A Vida é uma Festa”. No primeiro caso, nada a contestar. No segundo, o prêmio como melhor animação era mais que esperado, afinal, a produção é Disney e Pixar. Porém, dar a vitória a “Remember Me” enquanto “This Is Me” (de “O Rei do Show”) estava no páreo foi uma atrocidade.

Enquanto isso, “Me Chame Pelo Seu Nome”“Corra!”Trama Fantasma” e “Eu, Tonya” ficaram com somente um prêmio cada um: respectivamente, melhor roteiro adaptado, melhor roteiro original, melhor figurino e melhor atriz coadjuvante (Allison Janney).

Qual a mensagem da Academia?

Na verdade, há mais de uma.

A primeira, de menor relevância e mais fria, é a de que não havia nenhum filme “arrasa-quarteirão” nessa temporada. De maneira subsidiária, entenderam que “A Forma da Água”, como conjunto, era substancialmente melhor que os concorrentes (por isso ganhou como melhor filme e melhor diretor), enquanto “Dunkirk” e “Blade Runner 2049” eram filmes de menor apelo junto ao público, mas de esplendor técnico (por isso ganharam nas categorias técnicas mencionadas acima). E não há como discordar.

A segunda mensagem, muito mais relevante e paradigmática, é a da abertura à representatividade. Dito de outra forma, esse foi o Oscar da representatividade.

Mulheres apareceram. O filme “Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississippi” fez história através dos nomes de Rachel Morrisonprimeira mulher na história indicada ao Oscar de fotografia, e de Dee Reesprimeira mulher negra a concorrer na categoria de roteiro adaptado (ano passado, foi um homem negro que ganhou). Embora não tenha sido a primeira, não é despiciendo recordar que Greta Gerwig foi a quinta mulher concorrendo na categoria de direção (por “Lady Bird – A Hora de Voar”) – em noventa anos, o número é assustador. Aliás, as mulheres apareceram também no grande vencedor da noite: o último filme protagonizado por uma mulher a ganhar a estatueta de melhor filme foi “Menina de Ouro”, em 2005.

Transgêneros apareceram. O documentário “Strong Island” fez de Yance Ford o primeiro homem trans indicado (o filme, dirigido e escrito por ele, concorreu a melhor documentário). O longa chileno “Uma Mulher Fantástica” venceu como melhor filme estrangeiro, com a novidade que é o primeiro filme estrelado por uma atriz trans a ser nomeado para (e ganhar) um Oscar. Falando nela, a atriz é Daniela Vega, que também é cantora e é a primeira mulher trans a apresentar um Oscar (ela anunciou a apresentação de Keala Settle cantando “This Is Me”, música que fala sobre orgulho e aceitação de si mesmo, concorrendo a melhor canção original).

Negros apareceram. Além dos nomes já mencionados, Jordan Peele é o primeiro negro a concorrer concomitantemente nas categorias de melhor filme, direção e roteiro (original). Mas é também o primeiro negro a levar a estatueta de melhor roteiro original, por “Corra!”. Peele é um representante desse grupo que ainda sofre discriminação e que ainda luta pela igualdade.

James Ivory apareceu. Aos 89 anos, Ivory é o homem mais velho a faturar um Oscar. Ele representa todas as pessoas que têm amor pelo que fazem, independentemente da idade. Enquanto ele trabalha, há um ator que afirma que vai se aposentar aos 60. E mais: aberta e assumidamente gay, ele venceu na categoria de melhor roteiro adaptado, por “Me Chame Pelo Seu Nome”, filme que tem um romance entre dois homens.

Mexicanos apareceram (e já têm aparecido). A história recente não permite sequer àquele presidente xenófobo refutar: nos últimos cinco anos, cineastas mexicanos venceram quatro vezes. Em 2014, foi Alfonso Cuarón (“Gravidade”); em 2015, Alejandro González Iñárritu (“Birdman”); em 2016, Iñárritu novamente (“O Regresso”). A hegemonia foi quebrada apenas ano passado, quando, como já mencionado, Damien Chazelle venceu com “La La Land”. Porém, agora mais um mexicano se deu bem: Guillermo del Toro com seu “A Forma da Água”.

É importante mencionar, ainda, que “A Forma da Água” é uma verdadeira ode às minorias e aos grupos vulneráveis – mulheres, transgêneros, negros, idosos, homossexuais, imigrantes, enfim, todas as pessoas que, por quaisquer motivos, sofram qualquer tipo de discriminação. Em tempos de intolerância, radicalismo, preconceito e retrocesso, a vitória do filme de del Toro é uma vitória do senso de humanidade que ainda pode existir em algumas pessoas. É um Oscar que dá visibilidade a uma obra de arte primorosa, mas que, com sorte, permite uma reflexão oportuna sobre respeito às diferenças e convivência pacífica com todo aquele que não é igual. O que del Toro quer é que o homem seja menos monstro e mais humano. Que a vitória seja dele, mas também de todos.