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“PAI” – Mundo cão [44 MICSP]

PAI é um comovente drama sobre um pai disposto a enfrentar o que for necessário para retomar a guarda dos seus filhos após um incidente envolvendo a sua esposa (que foi motivo da perda da guarda). A coprodução entre seis países bem diferentes (França, Alemanha, Eslovênia, Sérvia, Croácia e Bósnia e Herzegovina) é indicativo de que algumas intempéries são universais.

No interior da Sérvia, Nikola tem um trabalho temporário em uma madeireira, se esforçando ao máximo para sustentar a esposa e os dois filhos. A empresa para a qual trabalhava deve uma quantia a ele a título de remuneração e indenização, mas ele não consegue obter os valores. Sua esposa provoca um incidente que faz com que percam a guarda dos filhos. Desesperado e movido pelo imenso amor nutrido pelos filhos, Nikola está disposto a praticar façanhas hercúleas para tê-los perto de si novamente.

(© Film House Bas Celik / Divulgação)

O prólogo do filme de Srdan Golubovic é com o pé na porta, sugerindo um filme forte e de atos extremos. Com poucos diálogos, o texto escrito por ele e por Ognjen Svilicic se debruça sobre o protagonista para fazer dele um mártir. Para isso, a atuação esplêndida de Goran Bogdan é fundamental para que o longa se torne convincente. É graças ao seu bom trabalho que o espectador fica genuinamente comovido com o que o motiva – leia-se, mais ainda do que a premissa em si. Bogdan faz de Nikola um homem grande, mas de aparência frágil, já que magro e de semblante de incompreensão e tristeza – a maquiagem ajuda ao dar palidez e colocar olheiras no ator.

Vocalmente, Bogdan empresta uma voz de volume bem baixo, como se Nikola estivesse sem forças até mesmo para discutir verbalmente. Sua reação a tudo é pela introspecção, em um misto de timidez e desalento; seu autocontrole em relação às barbaridades que o acometem é impressionante. Mesmo lutando contra tudo e contra todos, a força que encontra em si para prosseguir é descomunal. Existem pessoas que o ajudam – o guarda que leva um sanduíche, a polícia da estrada etc. -, porém o inimigo que está enfrentando tem um poder que ele até então desconhecida.

As autoridades encaram Nikola com desconfiança (como a polícia, ao perguntar se sabia e se encorajou – nessa significativa ordem, ressalte-se – os atos da esposa), desprezo (a equipe do serviço social é o maior exemplo) ou como uma oportunidade de ganhar (ou aumentar) a simpatia da população (pedindo uma foto para postar no Twitter). O protagonista é objetificado por quem detém o poder e encontra poucas pessoas com empatia em seu caminho. O que ele aprende é que é dificílimo, quiçá impossível, lutar contra o sistema. Seja por engessamento, corrupção, burocracia ou lentidão, as chances estão sempre em seu desfavor. Quando um conhecido faz uma oferta para obter seus objetivos à margem da lei, a hipótese não é absurda, pois somente assim Nikola teria chance substancial de êxito.

Acontece que Nikola não quer lutar contra o sistema, não quer fazer greve, não quer ser tratado de maneira distinta. Não é nem a corrupção sistêmica que o interessa. Seu objetivo é unicamente a retomada da guarda dos filhos, ainda que ouça de outro pai que não vale a pena lutar pela família (porque, segundo ele, ela vai decepcioná-lo em algum momento). Nikola não expressa com palavras, mas com atos, que sabe que é possível que se decepcione com a família. Pouco importa: seu amor é incondicional.

A casa do protagonista pode ser pequena e suja (paredes escurecidas, pratos usados na mesa etc.), inclusive menor que a sala de conferência do ministério. Na fotografia, há cores que indicam fraqueza, como o amarelo das plantações de trigo e o verde abacate do hospital, mas o que Nikola não pode ser considerado é fraco. Ele é tratado como um cachorro, aliás ele encontra um cão e o trata bem em sua jornada, o que não é feito por outras pessoas. De certa forma, o protagonista e o animal se identificam, sendo tratados, cada um em seu espaço (mas não entre si), como seres inferiores. O que os identifica é a pureza no coração e, em determinado momento, a fome. Ambos sabem – ou, se não sabem, acabam descobrindo – que cães não são eles, é o mundo.

* Filme assistido durante a cobertura da 44ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.