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“PÂNICO VI” – Na encruzilhada entre a tradição e a subversão

Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett retomaram o universo de Ghostface onze anos após a última parceria de Wes Craven e Kevin Williamson como fãs que desejavam homenagear seus ídolos e seus trabalhos. Na realidade, “Pânico 5” se tornou uma “homenagem” fria e impessoal que assumiu a arrogância elitista de um horror que se considera profundo demais e julga o subgênero slasher. Em 2023, a dupla faz PÂNICO VI conseguindo se livrar da perspectiva superior de um suposto “terror elevado” e proporcionando momentos divertidos, mas sem definir plenamente o rumo pretendido para o futuro.

(© Paramount Pictures / Divulgação)

Algum tempo se passou desde o último massacre ocorrido em Woodsboro. Sam, Tara, Mindy e Chad foram os únicos sobreviventes da série de crimes cometidos pelo assassino mascarado e decidiram recomeçar suas vidas bem longe da pequena cidade. Eles se mudaram para Nova York acreditando que poderiam deixar para trás as experiências traumáticas de quase morte. Apesar de suas esperanças, o que seria um recomeço se torna mais uma luta pela sobrevivência quando outro Ghostface aparece em Nova York ainda mais ameaçador e mortal do que antes.

O universo criado por Wes Craven e Kevin Williamson comentava o cenário cultural da época e exercitava a metalinguagem com o gênero terror desde meados dos 1990 até o início da década de 2010. No mais recente volume da franquia, Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett parecem não saber se mantém a tradição autoconsciente do cinema e da cultura em geral ou se apostam em uma reinvenção maior. A inserção de personagens ou imagens relacionadas à história do cinema, os comentários sobre o cinismo da geração atual em relação ao horror, os cinéfilos do Letterboxd e a moda contemporânea de séries true crimes soam como obrigações cumpridas rapidamente para poder fazer parte daquele mundo diegético. Já as referências ao fazer cinematográfico e às convenções do slasher perdem a vitalidade que já tiveram anteriormente, fazendo, por exemplo, a sequência de discussão sobre as características de uma franquia e os suspeitos não ser espirituosa e apenas repetir uma fórmula criada por terceiros.

Logo, a narrativa tem dificuldades de se apropriar dos elementos tradicionais dos demais filmes e dar sua própria perspectiva autoral sem parecer uma emulação vazia e impessoal. Na realidade, os dois diretores se saem melhor quando buscam subverter tradições da franquia e criar algo diferente do que se fazia até então. E as subversões ocorrem, principalmente, quando as expectativas de um público que já está familiarizado com a franquia são manipuladas para gerar surpresa ou apontar pistas falsas. Sendo assim, a costumeira abertura em que uma ligação telefônica é o símbolo para o primeiro assassinato é estendida por mais tempo e tem uma dinâmica diferente capaz de brincar com as certezas do que irá acontecer – é curioso perceber o uso que se faz do som de um telefonema enquanto terminam os créditos iniciais. Além disso, o uso de alguns artifícios narrativos para colocar alguns personagens como suspeitos, como as transições expressivas de cenas, o arquétipo do principal suspeito e o ferimento específico de um personagem, é reorientado para surpreender os espectadores que tentam desvendar quem é o assassino.

De fato, a escolha estilística mais chamativa é a modificação de alguns aspectos clássicos do universo, em especial a construção das sequências de ataque. Por mais que o filme conserve elementos recorrentes (a faca como arma do crime, o telefonema ameaçador, o aparelho de modulação da voz, a máscara sob inspiração na pintura “O grito” de Edvard Munch…), são os novos detalhes que geram maior interesse. A ação sai de Woodsboro e vai para Nova York, a máscara de Ghostface traz sinais evidentes de desgaste, o assassino ataca em qualquer lugar, até aqueles em um ambiente aberto, e usa todas as armas disponíveis, inclusive uma arma de fogo. A maior diferença em comparação com as produções anteriores é a concepção visual e narrativa dos ataques do serial killer, afinal eles se passam em espaços específicos geradores de set pieces lembrados facilmente (no apartamento, na loja, no metrô…) e contém uma violência gráfica mais intensa. Nesse ponto, os cineastas encenam a violência de maneira frontal evidenciando diretamente a brutalidade do novo assassino.

Entretanto, as inovações que poderiam levar o sexto volume a uma identidade própria não se desgarram totalmente das tradições passadas. O desenvolvimento da trama fica na indecisão se prefere revisitar as obras anteriores ou desbravar novas possibilidades, o que desencadeia uma zona intermediária em que nenhuma das duas partes em questão se impõe com alguma relevância significativa e duradoura. Por vezes, parece que a ideia do legado da franquia faria a narrativa lidar criativamente com aspectos do segundo filme, como a ida dos personagens para a faculdade, as tentativas de recomeço e a cena do rastreamento da ligação, até que essas alusões são dispensadas sem cerimônias ou feitas sob uma vazia nostalgia. Em outros instantes, a sensação é a de que as rupturas podem falar mais alto e a construção narrativa ser guiada por outras escolhas criativas, como a revelação precoce da identidade do assassino, o diálogo com uma história de investigação de serial killer e o reencontro com toda a franquia através da sua iconografia particular. O flerte com dinâmicas novas não dura muito e as bases já conhecidas voltam.

Nem mesmo quando as subversões são mencionadas diretamente algo original se concretiza como foi sugerido. Inicialmente, alguns sinais são dados de que Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett assumiriam as propostas mais ousadas cogitadas. Então, quando o terceiro ato chega, a ousadia se esvai em nome da manutenção de um status quo tradicional que a dupla de diretores não domina. No momento em que as convenções de uma franquia são enumeradas, há uma insistência muito grande no risco representado por uma escala maior que colocaria todos como possíveis vítimas (até os nomes mais consagrados do elenco); e quando o passado de Sam a assombra mais uma vez, o roteiro sugere uma natureza violenta da personagem. Mesmo que a encenação das mortes seja brutal, a quantidade elevada de mortes não é concretizada como se desconfiava porque a decisão segura de salvar alguns personagens impera. E a coragem de ressignificar a heroína para um papel oposto não passa de uma declaração dos cineastas de até onde se arriscariam.

Em termos dramatúrgicos, “Pânico VI” tenta estabelecer um arco baseado no conflito entre as irmãs Sam e Tara a propósito do peso do passado e da importância da liberdade. Correndo em paralelo, a produção também tenta construir um grupo coeso em torno de Sam, Tara, Mindy e Chad que faça o público se importar e gostar dos novos personagens. O segundo ponto pode funcionar para parte dos espectadores que sejam mais afetados pelas cenas pontualmente inovadoras, mas ter um efeito incompleto para outra parte da audiência. Já o primeiro ponto parece ser inconscientemente sintomático do próprio filme como um todo no que ele tem de virtuoso e de insuficiente. Quando os monólogos finais explicam as razões para os crimes, a fluidez entre tradição e subversão aparece novamente sob a forma de uma motivação que mantém as convenções da franquia e apresenta traços alheios ao universo. Porém, os diretores criam uma fluidez irregular, que remete ao pedido de Tara para Sam soltá-la. No caso, Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett não conseguem se soltar de um apego vazio à franquia para alçar os próprios voos criativos.