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“PARIS 8” – Metalinguagem na veia

A metalinguagem é um recurso bastante utilizado em filmes. A sétima arte, sabendo que não existe isolada no macrouniverso artístico, dialoga com outras formas de manifestações, sem excluir a autorreferência. PARIS 8 é plenitude de metalinguagem, tornando-se, contudo, pouco atrativo para a maioria do público.

Trata-se da história de Étienne, jovem que se muda para Paris com o objetivo de estudar e realizar cinema. Na faculdade, ele conhece Jean-Noël e Mathias, com quem se identifica. Com o tempo, a jornada de Étienne se torna tormentosa e sua vida segue uma trajetória distinta da planejada.

O protagonista é a personificação de uma obsessão perfeccionista pela arte em geral – em especial, é claro, o cinema. Ele não chega, contudo, ao nível assustador de Mathias, personagem mais paradigmático. Étienne enxerga Mathias de uma maneira romântica (no sentido técnico da palavra), é um admirador. Ocorre que a arte é assunto sério para o amigo, de modo que ele não se importa se for desagradável ou antissocial ao expor sua opinião. No mínimo, é um antipático que não tem medo de extremos. Nas palavras de Jean-Noël, “ele não se encanta facilmente”. Jean-Noël, por outro lado, é muito mais pacífico e acaba ficando mais próximo de Étienne. Este, todavia, insiste em ganhar o reconhecimento de Mathias, o que tem reflexos no relacionamento do trio.

O título original do filme é “Mes provinciales” – Paris 8 é a faculdade em que Étienne estuda -, referência a uma obra de Blaise Pascal, traduzida no Brasil como “As provinciais”. O livro é quase um reflexo do filme, já que, quando aquele foi escrito (em forma de cartas anônimas), Pascal tinha por objetivo defender um amigo que era julgado pelos teólogos parisienses pelo fato de se opor aos jesuítas (assim como Étienne defende Mathias), em um texto bastante ácido (que não deixa de ser característica do roteiro do longa, por exemplo ao tachar David Fincher subestimado).

O longa é escrito e dirigido por Jean-Paul Civeyrac: o cineasta é um auteur, dentro da noção original do termo (que tem relação com o período de luta dos artistas pelo reconhecimento do filme como obra de arte que expressa a visão de mundo do criador). Sua obra propõe muito mais reflexões do que conclusões, divagando sobre a existência humana, sobre o significado da traição na área afetiva e sobre a amizade. Há na película uma interessante passagem acerca do cinema italiano, enaltecendo o frutífero período entre 1945 e 1975, uma “Segunda Renascença” iniciada no pós-guerra e que influencia realizadores contemporâneos, como Dario Argento e o gênero giallo. Especificamente no que se refere à direção, o maior destaque reside em um plano em que aparece a silhueta de Étienne dentro de um retângulo concernente a uma porta (ele está em frente à porta, sendo que o recinto está com as luzes apagadas), enquanto conversa ao telefone com sua namorada: flagrante o simbolismo, indicando, em especial quando ele entra no quarto e acende uma fraca fonte de luz, um regresso a uma vida que ele considerava obscuridade – cabe mencionar que a luz estava no local de onde ele saiu para atender a ligação.

A fotografia em preto-e-branco não é inovação, posto que Philippe Garrel (outro cineasta francês contemporâneo) também a adota (como em seus recentes “Amante por um dia” e “À sombra de duas mulheres”). Sem grandes funções narrativas (ao menos em regra), a opção privilegia o conteúdo em detrimento da forma, mas é inegavelmente menos atrativa ao público. A divisão em capítulos, por outro lado, pode ser uma técnica sedutora, se bem usada, o que não é o caso. O filme não é pensado para ser aprazível, mas lírico, o que se denota do seu ritmo deveras lento (valendo a mesma lógica para a duração final, que é exagerada) e da melancolia perene. Não são atributos necessariamente ruins (salvo a duração), todavia a preocupação em tornar uma obra audiovisual mais cativante é sempre recomendável.

Com uma trilha sonora instrumental bem escolhida, ainda que discreta, bem como um elenco apenas razoável – o melhor é inquestionavelmente Andranic Manet, que compreende bem a postura insegura de Étienne, embora Corentin Fila também convença como Mathias -, “Paris 8” pode não ser uma obra-prima, contudo não se pode negar que constitui uma genuína obra de arte que fala sobre arte.