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“PEIXE GRANDE E SUAS HISTÓRIAS MARAVILHOSAS” – O improvável não é impossível

A união das técnicas cinematográficas tem entre seus propósitos o ato de contar estórias. Em PEIXE GRANDE E SUAS HISTÓRIAS MARAVILHOSAS, o conjunto de estórias que compõem seu protagonista demonstra o conflito entre imaginação e realidade e entre o mal-estar da mentira e as fantasias da criação. Para apresentar esses conflitos, o filme utiliza a metalinguagem, mas vai além, sugerindo alegorias narrativas sobre a relação entre pai e filho e sobre a criatividade. Com isso, traz à tona a diferença entre o impossível e o improvável.

Já com idade avançada, Edward Bloom fica doente e seu filho, William, viaja para ajudar nos cuidados. Pai e filho têm um relacionamento tenso, porque William se sente incomodado com o costume de Edward contar histórias exageradas sobre sua vida. William pensa que o pai nunca dissera a verdade. Enquanto seu estado de saúde piora, Edward continua contando fatos de sua vida entre o impossível e o improvável. O filho, então, decide investigar a veracidade dessas aventuras enquanto se reconcilia com o pai. 

(© Columbia Pictures / Divulgação)

Com bruxa, homem gigante, peixe gigante e floresta amaldiçoada, o filme mostra a vida de Edward em flashbacks. “Peixe Grande e suas histórias maravilhosas” estabelece sua premissa rapidamente. De forma objetiva, utiliza os primeiros 5 minutos para definir seu conflito e iniciar a apresentação dos personagens. Assim, já ficamos sabendo que Will se sente desconfortável com as narrativas do pai. A sensação com esses primeiros minutos é de um bom ritmo narrativo, já que os detalhes foram escolhidos com precisão. 

O ritmo do filme poderia ser seu pior defeito, mas nas mãos de Tim Burton é utilizado para conduzir a experiência estética do público. Afinal, o uso de flashbacks é, muitas vezes, controverso. Em “Peixe Grande”, o recurso é aplicado com leveza e as retomadas para o tempo atual do roteiro servem como pequenas pausas para o espectador respirar, refletir e se conectar mais profundamente com os personagens.

O público é, portanto, convidado a mergulhar nas aventuras de Edward e a refletir o impacto dessas estórias na construção da relação pai e filho. Para isso, a vida do protagonista é apresentada de forma linear e o filme deixa claro seu recurso ao exagero. A qualidade da direção de Tim Burton é evidenciada aqui.

Ele consegue apresentar a fantasia sempre como improvável; nunca como impossível. Assim, sugere ao espectador que existem partes fidedignas na construção de seu personagem principal. Esse é o elo entre drama e fantasia, com pitadas de aventura. Há elementos imaginários tão verossímeis que engendram o tom dramático dos acontecimentos apresentados. Como marca do diretor, a fantasia também é metafórica, sombria e divertida. 

Entre suas alegorias, é possível discutir a posição que assumimos frente ao cinema; sobretudo, ao cinema hollywoodiano. Se Edward representa as propostas do cinema mainstream, Will representa o espectador. Will avança do olhar ingênuo, passando pela crítica intensa até atingir um estágio em que aceita a fábrica de estórias.

Mesmo que essa estrutura esteja aquém do desejo inicial da produção, a metalinguagem do filme sugere um espectador crítico diante das aventuras que parecem impossíveis. “Peixe Grande e suas histórias maravilhosas” mostra o desconforto com a criação massiva de estórias que parecem se repetir provocando cansaço no público, que, muitas vezes, se sente enganado por campanhas publicitárias com obras produzidas apenas para ganhar dinheiro.   

Mas é claro que Tim Burton não traz um filme de uma única nota. “Peixe Grande”  não chega a ser uma orquestra, mas é uma boa banda. O registro visual do longa é marcante, com cenas em que as técnicas de animação são mescladas naturalmente com a fotografia de Philippe Rousselot. Além disso, os cenários são como personagens no longa, ainda que figurantes e com menos destaque do que em outros filmes do mesmo diretor. 

Belos cenários e boas decisões de cinematografia contrastam com interpretações simplórias. Entre as atuações, o filme é todo de Albert Finney, como Edward. Ele cativa, incomoda e ainda transmite um tom otimista mesmo em seu leito de morte. É como se a voz de Finney nos acompanhasse durante todo filme, como a voz de um avô que conta lendas ao redor da fogueira. 

Por outro lado, William Crudup, como Will, é monotônico. Não há uma construção convincente do filho que pode perder o pai, tampouco do jornalista que vai investigar a veracidade das narrativas. A interpretação não acompanha o arco dramático do personagem. 

Ewan McGregor tem uma boa atuação como Edward jovem. Ele precisa transitar pelas diferentes aventuras do personagem e faz isso com qualidade. Outro desafio é convencer que o jovem sonhador interpretado por McGregor se transformaria no Edward de Albert Finney. O roteiro não propôs uma transição sutil, mas foi bem executada. 

Jessica Lange, como Sandra (a esposa de Edward) e Marion Cotillard, como Joséphine (a esposa de Will), não têm espaço na trama. Em suas poucas cenas, Sandra não tem oportunidades de demonstrar o sentimento da esposa que pode ficar viúva. O roteiro mantém a personagem em uma postura de encantamento por Edward. 

“Peixe Grande e suas histórias maravilhosas” é visualmente convidativo e sugere diferentes caminhos para sua interpretação. Ótimo entretenimento, trabalha bem suas nuances de fantasia e drama. Ao trazer a relação entre pai e filho para a tela, sugere um arco dramático que poderia ser melhor desenvolvido. Em sua metalinguagem, mostra que o ato de contar estórias sempre está em tensão com a busca pela verdade dos fatos. Como lembrança, deixa um exemplo do universo de Tim Burton e um convite para reflexão. Afinal, nem tudo que é improvável é impossível.