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“POWER” – Dentro das sensações apropriadas

Todos os filmes provocam algum impacto nos espectadores. Quando se trata de bons trabalhos (ou de bons momentos), ele pode ser intelectual – ao propor reflexões estimulantes para nossa racionalidade -, emocional – ao criar vínculos sentimentais com a trama e/ou personagens – e sensorial – ao promover estímulos sensíveis às nossas reações imediatas. Nesse sentido, nos momentos em que POWER reconhece seu potencial lúdico e descompromissado, oferece uma experiência divertida; em outros em que tenta ir além, flerta com o que foge de sua proposta e ressalta seus vazios.

(© Netflix / Divulgação)

O novo lançamento da Netflix, portanto, não se sobressai por conta de sua trama em si, mas dos efeitos mobilizados por ela. Tudo começa com a difusão de uma nova pílula capaz de liberar superpoderes para cada indivíduo que a experimentar nas ruas de Nova Orleans. À medida que o uso da droga se populariza, os índices de crime aumentam e um trio inusitado se forma para lutar contra os produtores da substância: o policial Frank, a traficante adolescente Robin e o ex-soldado Art.

Nas primeiras sequências já é possível perceber como o roteiro não é a maior preocupação dos diretores Henry Joost e Ariel Schulman. Embora a abertura apresente o universo diegético – revelar um dos vilões que distribui a droga, indicar traficantes e policiais envolvidos com ela, exemplificar as consequências para a cidade e situar regras de funcionamento da pílula -, os realizadores se preocupam com o impacto das imagens e suas associações ao tom da narrativa: as cenas saltam de uma a outra com grande velocidade através de uma montagem de cortes rápidos; os planos são decupados na lógica de videoclipe, com movimentos dinâmicos da câmera e alternâncias repentinas de enquadramentos abertos e fechados; e a combinação de cores muito vibrantes, especialmente vermelho e verde, cria uma atmosfera fantasiosa com lógica própria. No somatório desses aspectos, a produção se assume como uma HQ estilizada.

A sensação de assistir à construção de uma história em quadrinhos que preza pelo dinamismo, pelo ritmo acelerado e pelo crescente exagero dos acontecimentos se reafirma em outras passagens. A aceleração da decupagem é amenizada e a abordagem se torna mais convencional, de modo a permitir que trama e personagens tenham o mínimo desenvolvimento para não serem pretextos para estímulos sensoriais. Mesmo assim, há momentos específicos que estampam a estilização das imagens (como o slow motion usado no confronto entre Art e Newt) e a variação de gêneros da ação com energia intensa para uma comédia de absurdos (uma dona de casa agride um invasor durante uma perseguição e perguntas aos gritos se os transeuntes tinham visto um homem invisível).

Por outro lado, a moderação do desenvolvimento da narrativa, que pretendia dar algum espaço para os personagens, tem resultados parciais. O trio principal agrada muito mais por seu carisma do que por uma base dramática mínima estabelecida pelo roteiro. Frank, Robin e Art despertam maior atenção e envolvimento junto aos espectadores graças à sinergia em cena de Joseph Gordon-Levitt, Dominique Fishback e Jamie Foxx – o humor do primeiro se inspirando em Clint Eastwood para intimidar antagonistas e as interações emocionais dos dois últimos. Em relação à progressão da dramaturgia dessas figuras, as três se resumem a breves características sem tantas nuances: o policial incorruptível defensor da cidade, a jovem da periferia com dificuldades financeiras e de concretização de seus sonhos e o ex-soldado em uma jornada de vingança pessoal.

Paralelamente aos personagens simplificados, desenvolve-se uma história que não se destaca tanto por sua originalidade. Algumas composições visuais podem remeter às produções de Michael Bay, a rapidez dos acontecimentos e da decupagem pode se assemelhar a “Em ritmo de fuga” e o enredo em si pode recordar “Sem limites“. Entretanto, tais traços derivativos não são necessariamente negativos, pois ajudam a elaborar um universo estilizado de HQ’s e caótico causado por uma substância imprevisível. O que realmente destoa são os subtextos inseridos a partir dos distintos significados do termo poder: por exemplo, a evolução da espécie humana, a imposição dos privilégios dos poderosos e a luta dos marginalizados contra o sistema. Essas leituras são meramente indicadas por recursos como o rap da trilha sonora e os cenários humildades da periferia, mas logo interrompidas sem ir muito longe.

É justamente quando os cineastas retomam o estilo de ação com grande adrenalina que a obra reencontra suas possibilidades. Tematicamente, as sequências de ação divertem ao explorar os absurdos do funcionamento da pílula que libera habilidades animais na humanidade (invisibilidade, camuflagem, super força…); esteticamente, elas conformam momentos que elevam a escala de exagero das perseguições e confrontos físicos que podem tornar um personagem gigante ou um incêndio humano. Exagero semelhante caracteriza os vilões, principalmente a caricatura que reveste o personagem interpretado por Rodrigo Santoro, que se assumem como antagonistas maquiavélicos, sem camadas, propositalmente – essa escolha só não consegue resolver a falta de uma ameaça marcante, já que ela se dilui entre três figuras que cumprem essa função.

Diante das múltiplas reações possíveis com uma experiência audiovisual, cada filme precisa, portanto, reconhecer quais delas mais se comunicam com sua proposta e universo. Em “Power“, estimular a adrenalina e o humor pontual se articula com o tema e afeta o público; desenvolver os personagens e uma complexidade maior para a trama deixa mais lacunas e tentativas falhas do que novas virtudes. Assim, o longa experimenta suas próprias sensações de começar dentro de um estilo coerente, desviar-se para rumos menos inspirados e retomar no fim um resultado sensorial minimamente razoável.