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“PRISCILLA” [2] – Um retrato brando

O que falta em PRISCILLA é uma cena verdadeiramente arrebatadora. É verdade que o estilo da diretora do longa é focado em nuances subjetivas e na contemplação da emotividade das personagens, porém, dessa vez, verifica-se uma brandura em patamar tal que coloca a obra em temperatura morna.

O filme retrata a trajetória de Priscilla Beaulieu, adolescente que, em 1959, na Alemanha Ocidental, conheceu o astro que futuramente seria o seu marido, Elvis Presley. Desde o primeiro encontro, a conexão foi profunda, mas o relacionamento implicou momentos difíceis para uma jovem que precisou viver à sombra do Rei.

(© O2 Play / Divulgação)

Dirigido e roteirizado por Sofia Coppola a partir do livro de Priscilla Presley e Sandra Harmon, a obra tem uma proposta difícil, uma vez que se destina a colocar nos holofotes aquela que é naturalmente pensada como coadjuvante. Afinal, tratando-se de uma das maiores estrelas da História da música, o raciocínio natural é o mesmo que Baz Luhrmann teve em “Elvis”, deixando a futura esposa do cantor sem muito destaque. No entanto, em praticamente todos os sentidos, o filme de Coppola é o oposto daquele de Luhrmann; aqui, a protagonista é ela e elementos centrais do longa de 2022 (as apresentações musicais, os familiares de Elvis, o coronel…) são periféricos. Ainda assim, é difícil conter o brilho de alguém que, em uma singela festa caseira, maravilha a todos enquanto canta e toca piano e que pega um copo no ar antes de sua queda. Dentre as várias facetas expostas de Elvis, uma delas ele não perde em retrato algum: o de estrela.

Em certa medida, Coppola mantém o seu estilo ao adotar uma protagonista feminina complexa e dar-lhe uma jornada mais interna do que externa. Contudo, há problemas nos conflitos. Internamente, Priscilla surge como uma adolescente delicada e ingênua, mas ansiosa pelo desabrochar. Visualmente, ela aparece muitas vezes com figurino em tons rosados (após o primeiro encontro, na chegada após o voo etc.), o que traduz graficamente sua qualidade pueril. A heroína é insegura (tem medo de ser esquecida) e inexperiente  (como ao jogar blackjack), características das quais, na prática, Elvis se aproveita. Seu conflito interno, assim, repousa no despertar, isto é, seu ímpeto de se transformar de menina em mulher. Essa transformação parece ocorrer do ponto de vista literal, quando ela muda de visual (de acordo com sugestões dele), e do ponto de vista simbólico, quando recebe presentes (o primeiro é compatível com uma adolescente, mas não os posteriores). Entretanto, esses fatores compõem um momento, ainda, de infantilidade, ou, mais precisamente, de alienação.

A narrativa, nesse sentido, se desenvolve a partir das abusividades perpetradas por Elvis. Em um relacionamento tóxico, ele dá a Priscilla espaço minúsculo para desenvolver a própria individualidade, objetificando-a como quer. À medida que se aproximam, em especial na primeira hora de filme – aqui, o drama beira o insosso -, pode-se ver um abismo entre o casal, seja em relação à idade, seja ao tamanho (no sentido literal, enquanto altura, e metafórico, enquanto personalidade), sem esquecer a condição socioeconômica, representada no design de produção pela enorme mansão dele oposta à casa mais modesta da família dela. Progressivamente, então, percebe-se que Priscilla é sujeita a abusividades que, por sua vez, obstam seu almejado despertar. É nesse âmbito que Coppola, iniciando com o vazio (aquele sentido pela protagonista na Alemanha, antes de conhecer o amor), se debruça na solidão, tema associado ao conflito interno. Priscilla quer fazer parte do mundo de Elvis, submetendo-se a condutas nocivas sem perceber e permanecendo solitária em cenas (demasiadamente) repetidas. O que ela quer é uma vida a dois, porém permanece reclusa na enormidade desse exílio constante.

Os conflitos pessoais surgem nas interações com Elvis, mesmo quando ausente. Como um fantasma, ele a assombra nos jornais e nas revistas com especulações de relacionamentos com outras mulheres. Quando presente, o cantor também se transforma, no caso, de uma figura quase paternal para um homem de humor, no mínimo, volátil. Vivendo de rompantes, a versão de Jacob Elordi para o Rei do rock é agressiva e explosiva sem conseguir ser assustadora, o que acaba sendo decepcionante. O ator faz bem o sotaque e a voz da personagem e sua clara vulnerabilidade está presente (ora manipulado por um guru espiritual, ora pela figura oculta do coronel), porém sua atuação está na mesma medida de Cailee Spaeny no papel principal, qual seja, de emoções contidas. Fiel ao espírito de Coppola em todos os aspectos do longa, as atuações parecem reprimidas, sem autorização para romper.

Seguindo esse raciocínio, “Priscilla” é um filme correto, mas sem fortes emoções. Coppola é hábil na imersão do espectador na época (como na trilha, que acertadamente não se restringe a canções de Elvis, nas maquiagens e nos figurinos), todavia o tom autocontido é frustrante para um drama que poderia ser um pouco mais contundente. A título de exemplo, basta ver a maneira retraída como o sexo é abordado (ainda que seja abordado). O fato de a base do roteiro ser o livro de Priscilla Presley e de ela mesma ser produtora do filme podem ter sido determinantes para evitar um retrato mais controverso da realidade. A obra evita maniqueísmo e vitimização, mas isso tem um custo qualitativo.