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“QUANTO VALE?” – A mensuração é concreta e relativa

Quanto vale um filme? O valor de um filme com grandes artistas e uma direção de renome (portanto, de orçamento robusto) é superior a de uma produção mais modesta (e de orçamento reduzido)? Ou o parâmetro de medida deve ser a qualidade final da obra, independentemente de seus custos e das pessoas envolvidas? Se não é fácil responder a essas perguntas em relação ao cinema, elas se tornam ainda mais complexas quando se referem a pessoas, como visto no original Netflix QUANTO VALE?.

Diante dos atentados de 11 de setembro de 2001, o governo dos EUA, preocupado com a provável enormidade de ações judiciais promovidas pelas vítimas, decide criar um fundo de compensação. Ken Feinberg, advogado especialista em reparações coletivas, se oferece para o serviço, sem ter noção, inicialmente, da dificuldade que enfrentaria no trabalho.

(© Netflix / Divulgação)

A preocupação do governo dos EUA, conforme esclarece o filme, não é em dar um alento às pessoas vitimadas pelo ato terrorista – sobreviventes e familiares de falecidos, em síntese -, mas evitar uma avalanche perante o Judiciário capaz de abalar a economia do país. Parte-se, desse modo, de uma premissa fria, reforçada por personagens como Lee Quinn (Tate Donovan, com assustadora expressão vilanesca), que realmente pensam apenas no aspecto financeiro da questão. Há uma dose de política na matéria (como quando o Procurador-Geral questiona se Ken é a melhor escolha por ser democrata), mas o filme é ambivalente em sua essência. De um lado, os que compreendem que o valor de uma pessoa é imensurável e que demanda uma análise individualizada; de outro, os que entendem que pessoas ricas valem mais.

À medida que o filme se desenvolve, vai ficando mais claro que o roteiro de Max Borenstein adota uma estrutura formulaica pela qual o protagonista passará por uma transformação (pulando do segundo grupo para o primeiro, dos dois acima mencionados). Isso não seria um problema se não fosse a maneira como essa transformação é trabalhada. A cronologia da diretora Sara Colangelo é exposta na tela, fato que já é indicativo do engessamento da sua obra. Existem cenas que se destacam, por exemplo, aquela na qual Ken, de fone de ouvido, não percebe o alvoroço ao seu redor no trem. Nos minutos iniciais também o filme consegue gerar interesse, como nas vozes sobrepostas narrando o luto antes de qualquer imagem (tela preta) ou na aula proferida pelo herói, porém há pouco que chame a atenção.

O filme é superficial em relação ao processo de formação das regras do fundo, ao luto das pessoas envolvidas e, principalmente, na mudança de perspectiva de Ken. São poucas as discussões entre os integrantes da equipe do protagonista para decidir os parâmetros do fundo (isto é, a elegibilidade de quem almeja a compensação, os dependentes, os valores etc.). Priya (Shunori Ramanathan), por exemplo, se propõe a conhecer melhor as críticas endereçadas ao plano de seu chefe, mas não apenas ela já se mostra, desde o início, discordante de Ken, como a cena em que ela se desloca a uma reunião dos críticos é abreviada para um diálogo pretensamente impactante.

Stanley Tucci, apagado, interpreta Charles Wolf, o principal “inimigo” de Ken, responsável por um blog apontando os equívocos do fundo proposto por ele e reunindo pessoas para compartilhar o luto. O que ocorre nessas reuniões, contudo, jamais é mostrado, de modo que o longa deixa isso para a imaginação do espectador. Para retratar o luto geral, basta uma parede com um grafite escrito “nunca vamos esquecer”; no caso de Charles, basta uma cena em que abre um pote de picadinho de carne. É verdade que aparecem algumas cenas de pessoas narrando seu sofrimento e derramando lágrimas pelas perdas, contudo geralmente são pessoas quaisquer, não personagens cuja tristeza merecia ser demonstrada no filme.

Ken é vivido por Michael Keaton, um ator que costuma ser competente, não sendo “Quanto vale?” exceção em sua filmografia. Não é culpa de Keaton que a modificação no pensamento do protagonista pareça ocorrer como um passe de mágica. Depois de um diálogo singelo com Charles e um sono por cima de documentos, ele se dispõe a modificar tudo o que defendia ferrenhamente até então – basicamente, a limitação de seus poderes enquanto “mestre especial”. Aquele Ken que não sabe o que perguntar a Karen (Laura Benanti), viúva de Nick, para orientá-la sobre o fundo, é abandonado para se tornar um Ken ciente do que precisa ser modificado nas regras anteriormente estabelecidas e disposto a ouvir as vítimas. A humanização nunca foi tão fácil.

Para representar a tristeza que está no fundo da trama, a fotografia azul acinzentada e a trilha musical genérica representam bem o quão raso “Quanto vale?” consegue ser. Não se trata de um filme ruim, mas com dificuldade de comover diante da falta de tato para abordar um episódio delicado da História dos EUA. Certamente para pessoas diretamente envolvidas o longa tem maior apelo. Para elas, o valor da produção é gigantesco, o que ratifica a óbvia conclusão de Ken (a que ele chega sem um amadurecimento convincente): o valor de algo (ou alguém) depende do olhar de cada um, não havendo regra abstrata e absoluta para mensurar pessoas – e o mesmo vale para obras de arte (como uma obra cinematográfica).