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“QUERIDO EVAN HANSEN” – Setembro amarelo cinematográfico

Com um Tony, um Emmy e um Grammy no currículo, a versão cinematográfica do fenômeno da Broadway QUERIDO EVAN HANSEN teria tudo para ser um sucesso imediato. Há equívocos, porém, que fazem da obra um produto aquém da sua pomposa publicidade.

Evan Hansen é um garoto de ensino médio ansioso e sem amigos que escreve a si mesmo uma carta que acaba nas mãos de um colega, Connor. No dia seguinte, Evan descobre que Connor cometeu suicídio. A partir de então, as pessoas passam a acreditar que os dois eram amigos, história que Evan não consegue desmentir.

(© UNIVERSAL PICTURES / Divulgação)

O que se inicia como um mal-entendido ganha contornos de uma espinhosa questão ética. O roteiro de Steven Levenson, dirigido por Stephen Chbosky, certamente tem consciência do quão complexa é a questão que norteia a trama: é verdade que a solução parece simples, já que bastaria a Evan esclarecer aos pais de Connor que, ao contrário do que parece, eles não eram amigos (portanto, ele não tinha nada a falar sobre o falecido), porém a personagem da mãe de Connor, Cynthia, torna isso mais difícil. Ainda que não seja o melhor trabalho de Amy Adams, ela transmite com eficiência o sentimento de uma mãe desesperada que agarra, na primeira oportunidade que aparece, a narrativa que lhe agrada. Se existem indícios de que Connor tinha sim um amigo, a despeito de sua personalidade pouco amigável, é a esses indícios que ela vai se apegar. E, de outro lado, se existe uma mãe aos prantos implorando por esses indícios, um garoto de personalidade frágil como Evan é incapaz de negar-lhe o que ela deseja.

Tudo vira uma bola de neve em razão da vulnerabilidade emocional de Evan, que é também a raiz da própria carta que ele escreve. Ben Platt deve ter sido divino ao interpretar o garoto quando era um garoto, o que não é o caso no filme, aos seus vinte e sete anos. O problema não é uma discrepância entre a idade do artista e a idade da personagem, até porque essa não é a primeira vez (muito menos a última) que isso ocorre no cinema. O que se torna problemático aqui é que é muito mais fácil sentir empatia (mesmo que na ficção) por um adolescente que comete um ato moralmente condenável do que por um adulto (fingindo ser um adolescente) que comete esse mesmo ato. Platt se doa, canta com muita emoção, visivelmente derrama lágrimas até desidratar e sente o desconforto do erro praticado por Evan. Porém, das duas, uma: ou sua escalação foi equivocada, ou a produção (com ele) foi tardia.

As composições são assinadas pelos renomados Justin Paul e Benj Pasek, de “La La Land” e “O Rei do Show”. Dessa vez, sua inspiração não foi a mesma. “You will be found” é uma canção lindíssima, é verdade, e o trabalho de transição da bela “A little closer” (de extradiegética para surpreendentemente intradiegética) é excelente, mas o resto é, no máximo, medíocre. “Sincerely me” é o ápice do desrespeito ao luto, não porque envolve atos comissivos de Evan para enganar a família de Connor (já que, até então, ele agia majoritariamente por omissão), mas porque o alívio cômico, personificado pelo seu amigo-da-família Jared (Nik Dodani), faz piadas de péssimo gosto (uma inclusive de teor incestuoso e necrofílico… e pior: não é a única sugestão incestuosa entre as músicas), em uma montagem confusa na única cena verdadeiramente musical do longa.

Talvez “Querido Evan Hansen” fosse melhor como um drama não musical. A plateia seria poupada, por exemplo, da horrorosa canção a que Julianne Moore se submeteu, ou de todas as músicas em que a péssima Kaitlyn Dever participa. No caso de Moore, não apenas Evan precisa de uma mãe como também a personagem é importante para começar a aclarar ao protagonista o quanto ele está se identificando com Connor. Evan é introspectivo e tímido, encontrando no falecido um verdadeiro escudo para simplesmente ser. Quanto a Dever, ela é a pior do elenco apenas porque Colton Ryan aparece pouco, já que Connor morre ainda no começo do filme. No elenco está ainda Amandla Stenberg, representante do tema importantíssimo da saúde mental em tempos de mídias sociais. Merece destaque a conversa de Alana (Stenberg) com Evan em que ele menciona que ela não age como uma pessoa deprimida, deixando expresso (e sim, isso ainda precisa ficar explícito) que não existe um perfil genérico e comum para todas as pessoas que lidam com questões de saúde mental.

O musical tem diversos problemas. Ele consegue ser pulsante em seu carro-chefe (a mencionada “You will be found”) e tem um ator principal claramente disposto a carregar o filme nas costas (e ele seria capaz, não fossem alguns obstáculos em seu caminho). Porém, as canções em sua maioria não são memoráveis (algumas, ao revés, são bem questionáveis), tampouco o são as atuações. O que subsiste é um discurso elogiável sobre depressão e ansiedade em um invólucro mais atrativo que cartilhas e livros técnicos.