Nosso Cinema

A melhor fonte de críticas de cinema

“RELATOS DO MUNDO” – Aquém das capacidades

Repetindo a parceria com Tom Hanks (depois do fraco “Capitão Phillips”), Paul Greengrass coloca o astro novamente no centro de um de seus filmes, RELATOS DO MUNDO. O que o cineasta desconsiderou é que Hanks está longe do auge da carreira. Ainda que “Ponte dos espiões” (2015), “Sully: o herói do Rio Hudson” (2016), “The Post: a guerra secreta” (2017) e “Um lindo dia na vizinhança” (2019)* tenham figurado em grandes premiações (o que por si só já é questionável, pois a maioria não está entre seus melhores trabalhos), junto deles estão filmes como “Inferno” (2016), “O círculo” (2017) e “Greyhound: na mira do inimigo” (2020)*. Sendo grande a capacidade da co-estrela de Hanks, é possível que o nível do novo projeto seja maior que o dos últimos.

Texas, 1870: veterano da guerra civil, o capitão Jefferson Kyle Kidd viaja oferecendo seus serviços de leitura de notícias de jornais para grupos que queiram pagá-lo. Em uma de suas viagens, ele encontra uma menina de dez anos, Johanna, cujo passado trágico faz com que aceite levá-la até familiares que ela mal conhece. Hostil com todos, especialmente por ter sido criada nos últimos anos pela tribo Kiowa, a menina cria um vínculo com o capitão, o que pode ajudá-los a vencer diversas adversidades com que se deparam em sua trajetória.

(© Netflix / Divulgação)

O fato de a comunicação entre Johanna e o capitão ser dificultada pelo idioma (ele fala inglês; ela, kiowa) é apenas uma ilustração tanto do choque cultural quanto do Zeitgeist. A menina é vista como uma selvagem pela civilização de Kidd, não usando talheres para se alimentar e recusando-se a colocar um vestido. Nada disso o impede de afeiçoar-se a ela, o que ajuda na aproximação dos dois. Eles ensinam um ao outro seus idiomas não como uma derrubada de fronteiras culturais, mas como redução da distância simbólica existente entre os dois. Para Kidd, a vida é uma linha reta, como ele mesmo explica: não existe retorno, apenas o que há pela frente. Johanna aprendeu uma lição diferente: tudo o que está ao seu redor funciona como um grande círculo, onde todas as coisas estão conectadas de alguma forma.

É benéfico para ambos a companhia um do outro. No cenário de pós-guerra (a da Secessão) subsiste um ímpeto bélico pulsante, mais ainda em uma terra sem lei, onde o mais forte faz prevalecer a sua vontade independentemente do que as autoridades possam definir. Alguém só entra no condado de Erath, por exemplo, se Farley permitir; o único jornal que pode ser lido é aquele pelo qual ele aliena o povo. O transporte é difícil, as epidemias estão à espreita e as pessoas têm um preço – sobretudo uma menina loira e de pele clara de apenas dez anos.

O equívoco de Paul Greengrass claramente não é a criação da atmosfera de western. Pelo contrário, a trilha sonora é compatível com o gênero, assim como a fotografia castanha e acinzentada das pradarias e de um solo tão árido quanto as condições de vida. O diretor vai bem nas cenas de ação, como a fuga no rochedo, podendo ser ignorado o CGI péssimo (na mencionada cena e na tempestade de areia). A primeira dificuldade do longa está em seu roteiro, no qual Greengrass e seu corroteirista Luke Davies não conseguem tornar a narrativa minimamente inovadora. Mesmo que “Relatos do mundo” se filie ortodoxamente a um gênero (western), uma dose mínima de originalidade seria recomendável. Do contrário, o filme acaba se tornando previsível por completo.

O talento da pequena Helena Zengel (facilmente perceptível em “Transtorno explosivo”*) foi rapidamente importado para Hollywood. Com alguma facilidade, ela consegue boa química com Tom Hanks. Isso, porém, de nada adianta, dado que apenas Hanks tem realmente espaço para atuar, o que se torna ainda pior pelo fato de o ator não estar no seu auge. O papel não exige muito, Hanks não faz muito; ao passo que Zengel, que poderia brilhar, é flagrantemente colocada em segundo plano, para não ofuscar a estrela. É evidente que é o ator quem chama o público, todavia seria bom para ambos e, portanto, para a produção, se dos dois fosse demandada uma atuação mais complexa. Nesse caso, o impasse acaba sendo a simplicidade do plot, avesso a nuances mais reflexivas. “Relatos do mundo” faz o básico, tendo um resultado aquém, assim, da capacidade de Greengrass, Hanks e Zengel.

* Para ler as críticas dos filmes mencionados: “Um lindo dia na vizinhança” (clique aqui), “Greyhound: na mira do inimigo” (clique aqui) e “Transtorno explosivo” (clique aqui).