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“RESISTÊNCIA” – A consolidação no sci-fi

É provável que, dos longas até RESISTÊNCIA, “Rogue One: uma história Star Wars” continuará sendo o melhor longa da filmografia de Gareth Edwards. Isso não significa que a obra de 2023 seja ruim, tampouco que a de 2016 seja incrível, mas que, apesar dos esforços do cineasta em ser original e oportuno, sua originalidade e oportunidade são discretas.

Em um futuro no qual a humanidade se divide entre aqueles que não admitem a inteligência artificial e os que convivem com ela, Joshua é recrutado para a guerra. Sua missão: localizar e matar o Criador, um designer de IA que teria criado uma arma suprema com o potencial de acabar com o conflito e dar a vitória para um dos lados.

(© 20th Century Studios / Divulgação)

Gareth Edwards mescla dois gêneros em seu filme: guerra e sci-fi. Em relação ao lado bélico da obra, há uma visão reducionista referente aos envolvidos. Contra a IA está o Ocidente, que na verdade é restrito aos EUA (um costume incômodo em Hollywood). A favor, a “Nova Ásia”, estabelecendo uma relação não explicada com o Nepal e deixando em aberto outros países (salvo, talvez, pela presença do japonês Ken Watanabe no elenco, em um papel pouco relevante). Por outro lado, o cineasta critica conscientemente os métodos de confronto empregados pelos EUA, notadamente a invasão de um território estrangeiro e táticas inescrupulosas como a tortura.

Isso pode dar a entender que o roteiro, escrito por Edwards (a partir de uma história criada por ele) e Chris Weitz, foge do maniqueísmo, conclusão que seria parcialmente correta. Em alguns aspectos, de fato, a barreira entre os favoráveis e os contrários à IA é nebulosa: o protagonista usa próteses robóticas em seu corpo e seu convívio com Maya (Gemma Chan, pouco participativa) sugere abandono da causa; Harun (Watanabe), no princípio, aparenta indiferença quanto ao destino da arma, desde que ela cumpra seu objetivo na guerra (mesmo sendo IA tanto quanto ele); e soldados estadunidenses, de maneira hipócrita, usam IA como ferramentas em seu favor (aliás, o papel de Allison Janney não poderia ser mais clichê). As dimensões atribuídas à questão (sim ou não à IA) são também traduzidas no arco narrativo de Joshua, o protagonista interpretado sem muito brilho por John David Washington, cuja trajetória é bastante previsível.

A partir dessa previsibilidade, o longa se torna cada vez mais opaco em sua narrativa. Primeiro, há um uso equivocado do macguffin, que esvazia o drama de Joshua (quando o Criador deixa de ser indiferente, já é tarde demais). Segundo, a estrutura é uma costura de enredos já conhecidos: o começo se assemelha a “A hora mais escura”; depois, o filme repete a série “The last of us”. Por fim, a parte final, além de inverossímil, é o momento em que o texto não sabe mais o que fazer, perdendo ritmo. Há originalidade por atribuir uma roupagem contemporânea às narrativas que são referências, mas é uma originalidade discreta.

Quanto à oportunidade, por vezes, há também timidez. A inevitabilidade dos avanços tecnológicos aparece em uma fala, o que é insuficiente para propor um debate. É mencionada a doação da própria imagem para uso de IA, o que não poderia ser mais atual, porém novamente a referência poderia ser aprofundada. Dividindo-se entre o filme de guerra e o sci-fi, Edwards se confunde em um discurso sobre a liberdade dos robôs e um discurso antiguerra. Contudo, é elogiável a maneira com que a IA é tratada, sem demonizá-la, nem encará-la como a solução para todos os problemas. É com esse raciocínio que o cineasta encontra a verdadeira oportunidade de sua obra: tratar não de grupos, mas de causas. Na guerra, há robôs trabalhando com a humanidade e há humanos convivendo com robôs; o que importa não é a natureza do ser, mas o que pensa, o que defende e como age.

Na parte da ficção científica, há um apuro inegável na construção do universo diegético. Para além de uma terminologia própria (simulantes, Nomad etc.), a fotografia é enriquecida por enormes plantações de arroz (algo real) cercadas por um mundo ultratecnológico (algo surreal). A insistência em planos noturnos ou de pouca iluminação é uma constante em filmes dependentes de CGI, todavia aqui a visibilidade geralmente não deixa a desejar. Para a trilha musical, ninguém melhor que Hans Zimmer para a ficção científica, mas a complementação com músicas que não foram pensadas para o gênero (“Fly me to the moon” e “Clair de lune”, por exemplo) representam um escape precioso. Nessa ótica, talvez a consciência das possibilidades de diálogo com outras frentes artísticas demonstre que mesmo que “Resistência” não traduza uma evolução, ela pode indicar uma consolidação.