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“RIVAIS” – Vitória e derrota, no esporte e no sexo

O esporte, tal qual o sexo, pode ser um elemento agregador ou desagregador entre pessoas. Em RIVAIS, ambos exercem as duas funções em momentos distintos, mostrando que os diferencia, do ponto de vista social, não é somente a atividade em si, mas como as pessoas se utilizam de cada um delas.

Tashi é uma treinadora cujo sucesso alçou seu marido, Art, ao rol dos melhores tenistas em atividade. O momento de Art, porém, é de uma sequência de derrotas da qual ele não consegue sair. A possibilidade de mudança surge quando ele vai jogar contra Patrick, que fez parte do passado dos dois.

(© Warner Bros. / Divulgação)

O filme se volta aos dois vetores mencionados. No que se refere ao tênis, Luca Guadagnino dá preferência a uma direção naturalista, fazendo com que as cenas das partidas tenham a aparência de real (os trajes, as raquetes, a dinâmica de jogo, o quadro de pontuação, a quadra etc.). Paradoxalmente, ao final, o cineasta abusa de ferramentas estilísticas como slow motion e câmera subjetiva (de uma maneira bem inusitada, inclusive), o que faz parte do suspense especialmente forjado para a cena. O naturalismo não combina também com a trilha musical, que conta com músicas eletrônicas compostas por Trent Reznor e Atticus Ross, voltadas a impulsionar o ritmo empolgante da trama – exceção feita à belíssima e melancólica sequência em que toca “Pecado”, de Caetano Veloso.

O roteiro de Justin Kuritzkes é relativamente ousado, seja pela conexão ardente entre esporte e sexo, seja pela narrativa não linear. No segundo caso, o que se tem é um desafio para a montagem, que corre o risco (não concretizado) de tornar a narrativa confusa, bem como para o design de produção. A caracterização das personagens ajuda o espectador a se localizar na cronologia mesmo quando não fica explícito o momento em que a cena se passa. No presente diegético, comparado ao pretérito, Tashi usa maquiagem mais pesada e roupas mais elegantes, além do cabelo mais curto e com fios loiros; Patrick tem seu cabelo e barba mais comprido; e Art usa um corte mais curto. O visual corrobora a transformação das personagens: Tashi está em ótima condição financeira, o oposto de Patrick (que aparentemente não cuida sequer da higiene, menos ainda da aparência); Tashi exala autoconfiança, ao passo que Art é perceptivelmente podado.

A abordagem da sexualidade é por via indireta, não propriamente pela sutileza. Há nudez explícita, que, contudo, é menos sexual que cenas menos gráficas. Isto é, há mais erotismo nos objetos fálicos comestíveis compartilhados (churros) ou oferecidos (banana) do que em nádegas (sauna) ou pênis (vestiário). É com a tensão sexual que Guadagnino trabalha, como nas condutas das personagens (mão na coxa, banco puxado para perto), nos figurinos (Patrick e Art aparecendo sem camisa ou com shorts curto, Tashi de saia curta ou lingerie, Art de cueca), em posições sugestivas (Art com o fisioterapeuta ou com Patrick, quando mais jovens) e na edição de som (ruídos de beijos e do tato na cena do quarto).

Diante da associação entre a sexualidade e a passagem dos anos, o amadurecimento sexual também faz parte do texto, como a revelação na cena do quarto e a submissão dos rapazes a Tashi. Interpretada de maneira exuberante por Zendaya, Tashi ocupa posição central (inclusive literal no aspecto gráfico, diversas vezes) na história, mostrando-se manipuladora desde o primeiro momento em que percebe que Art e Patrick – respectivamente, Mike Faist e Josh O’Connor, também excelentes – são a ela submissos. Os dois compartilham a profissão, o momento nela e essa submissão a Tashi (as pernas e bocas abertas com risos bobos são ótimos), mas ostentam diferenças gritantes. Patrick é muito mais autoconfiante (basta ver a velocidade com que sobe à cama) e desinibido; Art tem condição financeira melhor, mas é bem mais carente e carinhoso do ponto de vista emocional (abraça e acaricia a esposa no sofá, deita em seu colo…). Até mesmo seus corpos destoam, por exemplo, nos cabelos (cor e comprimento) e na presença de pelos (no peito e na barriga).

Tashi é mais do que manipuladora, ela instrumentaliza tudo o que pode para atingir os próprios objetivos. É nisso que sexo e esporte se conectam: apesar de afirmar que o tênis é como um relacionamento, a verdade é que tudo para ela é uma competição na qual o que importa é vencer, independentemente do meio empregado. Ela é incapaz de demonstrar afeto (sequer com a filha, sempre cuidada por uma terceira pessoa), de dar a resposta que se espera de um “eu te amo” ou de reconhecer as próprias vulnerabilidades (por exemplo, no treino com Art). Tashi admite o quão inescrupulosa conseguiria ser (na fala sobre esfaquear), chegando a ser cruel com a dupla em alguns diálogos (sem desconsiderar a objetificação que faz com eles). O melhor epíteto para ela seria a egolatria: Art não pode brilhar sozinho; Patrick precisa aceitar ser um acessório para que ela garanta as próprias vitórias. É só isso que importa; é disso que se trata o tênis, na sua visão. O esporte poderia ser uma via de prazer da mesma forma que o sexo; com Tashi, ambos se tornam vias de sofrer, para além da dominação. É verdade que ela, sexualmente objetificada por eles, reverte essa situação, porém a balança passa a pesar para o outro lado até alguém sucumbir. Afinal, alguém precisa perder.