“ROSA E MOMO” – Protagonistas maiores que o filme
A maioria das informações promocionais de ROSA E MOMO se concentra no retorno da lendária atriz italiana Sophia Loren ao cinema após um hiato de dez anos desde seu último trabalho. Porém, ela é metade da essência dessa produção disponível pela Netflix, adaptada do livro “La vie devant soi“, de Romain Gary. Sem a presença do estreante Ibrahima Gueye, a narrativa perderia muito de seu impacto, afinal a dinâmica entre os dois eleva o nível de um projeto que poderia ser apenas burocrático.
Os atores formam um par de personagens muito diferentes: ela é Madame Rosa, uma senhora sobrevivente do Holocausto e ex-prostituta que acolhe crianças; ele é Momo, um menino senegalês órfão de doze anos, que está sob a guarda do Dr. Coen e comete pequenos delitos. Passando por dificuldades para cuidar dele, o médico pede à Rosa para ficar temporariamente com o garoto. Daí, começa a se construir uma amizade inesperada entre eles.
Desde o princípio, o diretor Edoardo Ponti não esconde que se trata de um melodrama com suas marcas distintivas. Em termos de trama, há muitos núcleos e conflitos dramáticos que precisam se entrelaçar a partir da ideia de marginalização social. A grande maioria é somente citada ou sugerida, tanto em relação à Rosa quanto a Momo: a trajetória da mulher pode evocar a exclusão ou a inferiorização de idosos e de prostitutas (atividade desempenhada também pelas mães que deixam seus filhos aos cuidados da personagem), já a situação do menino pode abordar o preconceito racial e a questão dos imigrantes na Europa. Enquanto esses arcos são minimizados, aqueles a respeito dos traumas dos campos de concentração nazistas e das carências em torno da falta dos pais são os mais desenvolvidos com eficiência e força dramatúrgica.
Como no melodrama é possível tornar os conflitos mais carregados, o cineasta tenta estabelecer esse estilo. Apesar disso, ele não se apropria como deveria desse aspecto e perde o controle na condução de certas subtramas e figuras coadjuvantes: Lola é a vizinha de Rosa, que não consegue evidenciar as memórias traumáticas da amiga devido ao seu pouco tempo de tela; Hamil é o dono de uma loja onde Momo passa a trabalhar, que não contribui tanto para o arco do garoto como o roteiro buscava; e o traficante que faz com que o jovem venda drogas se apresenta como alguém surpreendentemente inofensivo para os riscos que representa. Assim, muitas cenas assumem clichês nada impactantes (como a tristeza estampada através de uma janela molhada de chuva) ou enfraquecem a jornada conflituosa de Momo (todos os momentos em torno das práticas criminosas parecem muito fáceis e resolvidos às pressas).
Quando a narrativa se concentra na relação entre os protagonistas, tudo fica mais expressivo. A trama se desenvolve primeiramente mostrando os choques entre Rosa e Momo, sempre que ela tenta discipliná-lo e fazê-lo respeitar todos sem atitudes confrontadoras; em seguida, criando uma amizade entre eles desde que a mulher se conecta emocionalmente à criança e eles notam que têm suas semelhanças (as dores que carregam do passado e as dificuldades de lidarem com uma sociedade que os exclui). A partir dessa dinâmica, Sophia Loren brilha na composição de uma senhora forte, que sabe se impor, mas guarda cicatrizes duras em seu íntimo e não resiste aos efeitos do tempo (algo evidente na espécie de transe que a acomete); e Ibrahima Gueye transborda espontaneidade juvenil e um controle seguro sobre o desafio de esconder emoções sob uma fachada de dureza (o que transparece no close durante a cena em que anda de bicicleta após um amigo ir embora).
Em termos estilísticos, Edoardo Ponti também custa a encontrar a maneira de construir a história. Embora tenha uma roupagem melodramática, a narrativa se destaca pelos momentos de sutileza e não tanto pela intensidade carregada de outras passagens. Por exemplo, a narração em voice over de Momo apenas explica didaticamente informações sobre a mãe do menino e Rosa. Ao dispensar o excesso de recursos vigorosos, o diretor pode potencializar algumas escolha expressivas, como os vínculos entre os protagonistas serem consolidados por um aperto afetuoso de mãos. Desse modo, a disposição da senhora em mostrar um caminho de esperança para o jovem não só o ajuda como também constrói um laço simbólico impactante – se Rosa tem um local para se refugiar dos traumas, Momo imagina uma leoa como escudo protetor contra as mazelas da vida.
Ao conseguir tornar a relação entre figuras tão diferentes tocante e digna de se preocupar, “Rosa e Momo” evolui no terceiro ato. Na conclusão, os papeis se invertem e o garoto se esforça para ajudar a mulher como pode, dando vazão ainda maior aos destinos simbólicos que cada um deles precisa seguir – afinal, o lugar de refúgio pode também marcar despedidas ou proteção e um símbolo de defesa pode ficar para trás. Nesse sentido, o título em inglês “The life ahead” sugere o inevitável percurso para o futuro de vidas tão castigadas pelo passado. Portanto, seria mais expressivo desenvolver essa ideia com um filme que acompanhasse a força dos personagens principais.
Um resultado de todos os filmes que já viu.