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“RUIM PRA CACHORRO” – Maus-tratos

Se você acha que um homem escorregando em fezes caninas e se sujando cada vez mais nelas é engraçado, RUIM PRA CACHORRO é a comédia para você. Ofensivo à inteligência humana, o longa não consegue sair das piadas típicas das comédias adolescentes do pior nível, com a diferença que, ao invés de adolescentes, suas personagens são cachorros. Os maus-tratos, aqui, são com o público.

O doce e alegre Reggie é completamente fiel a Doug, seu dono. Por não gostar de Reggie, Doug o abandona, fazendo com que ele passe a viver nas ruas. Com seus novos amigos Bug, Maggie e Hunter, também cachorros abandonados, Reggie planeja uma vingança contra Doug.

(© Universal Studios / Divulgação)

Há duas vias interpretativas para o roteiro de Dan Perrault, cuja ideia não é das piores, mas é terrivelmente desenvolvida. A primeira, mais estrita e literal, se volta ao abandono animal, tentando afirmar que essa é uma preocupação também para os humanos, uma vez que os cães (e não apenas eles, evidentemente) também têm, à sua maneira, sentimentos. Mesmo com esse esforço hermenêutico, todavia, pouco é possível extrair do texto, dado que essa ideia é praticamente abandonada à medida que a narrativa transforma o longa em um road movie sobre amizade.

A segunda interpretação, mais ampla, encontra no script uma alegoria sobre relacionamentos abusivos, na qual Reggie é vítima de uma relação tóxica com um inescrupuloso humano. Mais uma vez, a ideia teria potencial, porém Doug (Will Forte) é uma encarnação do mal quase como nos filmes de terror, de modo que o maniqueísmo das personagens enfraquece a alegoria. Em outras palavras, Doug é malvado demais e Reggie é inocente demais, inviabilizando qualquer reflexão minimamente proveitosa.

É verdade que a proposta de Josh Greenbaum é de uma comédia estúpida, afinal, parte da premissa de que cachorros planejam uma vingança contra um humano. O que faz com que “Ruim pra cachorro” honre o título nacional não é o estilo de humor, mas sua absurda limitação e cansativa repetição. Primeiro, para quem tem idade mental superior a treze anos, nada ali é verdadeiramente engraçado, não para além de arrancar um “sorriso de canto de boca”. Segundo, não há nenhuma piada que saia do escatológico ou do sexual, parecendo que urina, fezes e sexo são descobertas incríveis para a mente brilhante por trás da obra. Terceiro (e ainda mais grave), as piadas são reiteradas incessantemente, o que denota evidente falta de criatividade. “Mijar” para demarcar território e “trepar” com objetos inanimados, atos comuns dos cachorros, poderiam ser um projeto de humor uma vez, mas não várias vezes. Se isso aparece várias vezes, definitivamente não há humor (muito menos imaginação).

Diante da dificuldade em criar personagens cativantes além de Reggie – que só o é por força da sua ingenuidade infantil -, os amigos do protagonista são absolutamente unidimensionais. Bug é o valentão que usa vocabulário de baixo calão para esconder os próprios traumas, Maggie é a farejadora, Hunter é o que tem um pênis grande. No elenco está Dennis Quaid, interpretando ninguém menos que Dennis Quaid, ratificando a inexistência de criatividade.

Talvez a escolha de Wendel Bezerra para dublar Reggie (na dublagem nacional) não tenha sido a melhor. Bezerra é um dos melhores dubladores brasileiros, porém sua famosa voz de Goku é pouco coerente com a proposta do filme. Por outro lado, definitivamente equivocada é a escalação dos outros dubladores, que, na verdade, são comediantes de stand-up (e não dubladores profissionais como Bezerra). Chama a atenção, ainda, uma incongruência de sotaque: o forte sotaque paulistano de Fábio Rabin destoa completamente do sotaque paranaense de Bruna Louise, porém suas personagens, Bug e Maggie, são, até onde se sabe, do mesmo local. Não são diferentes, mas muito diferentes. Na versão original, a voz de Reggie é de Will Ferrell, de Bug, Jamie Foxx, e de Maggie, Isla Fisher. Na sessão para a imprensa, entretanto, foi exibida a versão com dublagem nacional.

Greenbaum poderia salvar seu longa no road movie sobre amizade, já mencionado. Porém, o suposto afeto do quarteto não transmite carisma, parecendo uma aventura pela aventura. Ou seja, o subtexto de amizade derrete em meio ao deslocamento, ao invés de se solidificar. Na parte específica da estrada, de fato, eles enfrentam intempéries, mas isso não convence em relação ao grupo. É graças a Reggie que tudo ocorre, de modo que as demais personagens são descartáveis na narrativa. O fato de Maggie, por exemplo, é essencial, mas sua presença é justificada exclusivamente para isso, sendo descartável no resto da narrativa. Isto é, importante mesmo é Reggie, os demais apenas participam das piadas ruins. Melhor encerrar a crítica sem um trocadilho com o título nacional do filme, quem assistiu a ele já sofreu o suficiente.