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“SEX EDUCATION” [3ª TEMPORADA] – Identidade e diversidade

* Clique aqui para ler a nossa crítica da primeira temporada.

* Clique aqui para ler a nossa crítica da segunda temporada.

O fato de a terceira temporada de SEX EDUCATION ser inferior às precedentes não a torna ruim. Na verdade, é o momento em que a série aposta mais em consolidar sua identidade em um tripé no qual se sustentam seu humor, as relações interpessoais das personagens e o protagonismo de Otis. Em termos de trama, porém, deixa muito a desejar.

Otis agora está em um relacionamento casual, enquanto Eric está namorando Adam. Os demais alunos continuam com muito interesse em sexo, todavia a nova diretora da escola, a sra. Hope Haddon, está disposta a acabar não apenas com a liberdade sexual, mas com todas as liberdades dos estudantes.

A série criada por Laurie Nunn mantém tudo o que já foi visto antes: a centralidade de Otis, a estética marcante, a personalidade da trilha musical e, claro, o sexo como fio condutor. No primeiro episódio, Dex (Lino Facioli) traz de volta uma estrutura narrativa fortemente presente na primeira temporada, mas reduzida na segunda. O proceduralismo está no primeiro, no quarto e no oitavo episódio da terceira temporada, mas não em todos – e jamais abandonando, é claro, a serialização dos episódios, focados claramente no difícil romance entre Otis e Maeve.

(© Netflix / Divulgação)

O alongamento do arco narrativo do casal, estimulado por Isaac (George Robinson) ao deletar a mensagem de Otis, constitui um vaivém que dá ares de cansaço. Asa Butterfield é tão confortável no papel do protagonista que parece estar vivendo a si mesmo, porém Otis, enquanto personagem, é prejudicial ao arco narrativo de Maeve, interpretada pela ótima Emma Mackey. Antes ela era personagem complexa e independente de qualquer homem; agora ela é reduzida para interesse romântico de dois rapazes e a responsável da família. No primeiro caso, Isaac é uma das personagens desinteressantes das quais a série não quis largar, o que é exatamente o que acontece no segundo, com Erin (Anne-Marie Duff), que não faria falta se tivesse sumido (e cuja presença se justifica mais ao final, sem convencer sobre a necessidade da sua permanência no cast).

Duas novidades da terceira temporada são Cal (Dua Saleh) e Hope (Jemima Kirke). Esta é a vilã do momento, uma vilã sem nenhum carisma e de motivações desproporcionais em relação à sua conduta (certamente sua abordagem não precisava ser radical); aquela surge somente para estimular o debate sobre identidade de gênero, o que combina com o mote da temporada (sobre identidade), mas não faz dela uma personagem propriamente dita (mas uma ferramenta de roteiro). Cal e Hope representam um conflito ideológico, pois a diversidade defendida por aquela não é admitida por esta. O roteiro aborda en passant outros conflitos, como o de gerações (a conversa com o pai de Ruby) e o de gêneros (Maureen reclama para Jean da falta de comunicação dos homens com quem conviveu). No formato procedural, todavia, o texto é bem mais cativante.

Do ponto de vista estilístico, o nível é idêntico ao que foi visto antes. Cores são usadas para representar personagens (Aimee, vermelho; Jean, verde; Hope, preto; Lily, lilás; Eric, a maior variedade possível), enquanto a fotografia seleciona momentos ternos para encantar o público (Otis e Maeve na contraluz no quinto capítulo, Eric nas luzes neon no sexto). Coerente com a diversidade defendida, até mesmo a animação é empregada em determinado momento, articulando-se bem com a narrativa. O elo entre elementos técnicos e narrativos é um ponto forte, por exemplo nos novos figurinos de Otis (que representa a sujeição da sua individualidade às vontades de outra pessoa) e de Anwar (que tem consequência prática quando visto por Hope). A trilha musical vai de Duran Duran (“Save a prayer”) a Etta James (“Stormy weather”), ratificando que a pluralidade não fica apenas no discurso.

O que decepciona é que as personagens, individualmente, pouco evoluem. Há um foco no coletivo, fundamental no desfecho, mas o desenvolvimento das personagens é deveras tímido – exceções feitas a Ruby, Adam e Michael. Ruby (Mimi Keene), depois de uma noite inesperada com Otis na segunda temporada, passa por um arco dramático que a humaniza, o que é bem aproveitado na primeira metade da terceira etapa da série. Adam (Connor Swindells), depois de ter sido deixado um pouco de lado (quando vai a uma escola militar), tornou-se uma das personagens mais ricas, o que se eleva agora que descobre a própria sexualidade e se dá o direito de vivê-la (o que é diferente de aceitá-la, seu novo desafio). Michael (Alistair Petrie) ainda não justificou muito bem sua relevância (considerando sobretudo a independência de Adam e Maureen), mas certamente é uma nova pessoa. Há personagens que aprendem algumas lições, como Jackson (Kedar Williams-Stirling) a respeito de pessoas queer e Vivienne (Chinenye Ezeudu) sobre (des)obediência a autoridades. Entretanto, as personagens principais, como Maeve, Jean (Gillian Anderson) e Eric (Ncuti Gatwa), têm um aprendizado diminuto em suas trajetórias.

Disposta a explorar o humor ao máximo, “Sex education” utiliza todas as fontes possíveis para extrair sua ótima comédia: ideias (o “animal de compromisso” de Aimee, vivida pela hilária Aimee Lou Wood), atos conscientes (Jean se escondendo de Jakob no primeiro episódio), acidentes (Jonathan no terceiro), situações embaraçosas (a chegada de Maureen no quarto de Adam no segundo), escatologia (Rahim no quinto), referências (“Onze homens e um segredo”) e diálogos (o inesperado interesse em comum, entre Adam e Ruby, em um reality show). Como resultado, a série continua sendo uma celebração engraçada, mas inteligente e respeitosa, à diversidade das identidades pessoais. Sua identidade ousada e sagaz em tratar assuntos espinhosos (alguns deles, tabus), no entanto, foi pouco respeitada se considerado que o avanço em direção a um desfecho foi pequeno.