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“SR. BACHMANN E SEUS ALUNOS” – Afeto como lição e como ferramenta de ensino [45 MICSP]

Do que um professor precisa para ensinar? Quadro negro, giz, retroprojetor? A frase “ensinar é um ato de amor” já se tornou um clichê vazio e demasiado abstrato. O professor de SR. BACHMANN E SEUS ALUNOS ressignifica a frase ao mostrar que existem ferramentas imateriais de ensino que realmente podem expressar afeto.

Em uma escola em Stadtallendorf, o professor Dieter Bachmann tem em sua turma uma maioria de imigrantes, situação comum na cidade, acostumada a receber estrangeiros – embora nem sempre seja receptiva. O que ele quer lhes ensinar, todavia, é muito mais do que o conteúdo programático, dando a eles inúmeras lições de afeto, como se a escola fosse a casa de cada aluno.

É impressionante a habilidade de Dieter Bachmann em se tornar uma figura paternal para seus alunos. Ele é compreensivo (se estão com sono e cansados, ele dá alguns minutos para um descanso) e engraçado (como ao oferecer sua careca para Hasan começar a carreira de barbeiro), mas seu desempenho vai muito além daquele do professor carinhoso. Bachmann procura conversar com os estudantes como em uma relação horizontal, isto é, sem representar uma figura autoritária, mas quase um colega. Se há uma briga (como entre Ayman e Mattia), ao invés de imediatamente censurar os envolvidos, ele adota o diálogo franco como uma via de reparação, primeiro para entender o que ocorreu e depois para fazer com que o aluno perceba que agiu da forma errada.

Transparente, sr. Bachmann não vê problemas em explicar a origem do seu sobrenome, tampouco de contar o histórico familiar traumático. Sua função é menos de avaliador e mais de motivador, razão pela qual a ênfase que dá não é nas notas (que chama de injustas), mas no progresso. Quando em reunião com a mãe de Rabia, enaltece a melhora da menina, que perdeu o medo de fazer perguntas em sala, transformando-se de assustada para confiante. Sua preocupação com os pré-adolescentes é autêntica, o que revela, por exemplo, ao ficar visivelmente transtornado ao saber da possibilidade de a família de Rabia se mudar novamente. Como alguns deles são mais interativos, acabam se destacando (é o caso de Cengizhan, por exemplo), e com alguns ele claramente estabelece um vínculo maior (Hasan), mas procura ser acolhedor em relação a todos (como com a tímida Ferhan).

Do ponto de vista pedagógico, as aulas vão desde questões mais básicas a verdadeiras lições de vida. Ao surgir uma palavra nova no vocabulário dos alunos (frustração), Bachmann não dá imediatamente o seu significado, estimulando-os a tentar descobrir. Ele quer sempre que eles participem, portanto uma aula sobre probabilidades acaba tendo um exercício prático. Quando ouvem uma história, são os próprios estudantes que devem fornecer a “moral da história”. O que é mais interessante, porém, é o senso de grupo e a consequente noção de solidariedade que ele tenta mostrar. Se alguns vão mal em uma matéria, os que vão bem são convidados a ajudar. Todavia, nem todos têm esse interesse – é o caso de Jamie, totalmente avesso a ser solidário com os colegas porque a culpa é deles. Bachmann tenta mostrar que um mau resultado não é decorrência unidimensional de, por exemplo, falta de esforço, podendo ser reflexo de inúmeros fatores, como o idioma do lar (no caso do estudo do alemão) ser estrangeiro. Nas suas palavras, “devemos nos unir enquanto classe e ajudar quem precisa”. Sua classe, porém, é um microcosmo que representa bem a sociedade: nem todos querem ajudar quem precisa.

Chama a atenção, ainda, o avanço do sistema de ensino alemão (quando comparado ao brasileiro). Ainda que Bachmann seja um professor diferenciado, certamente a flexibilidade germânica lhe permite desenvolver uma pedagogia avançada. O ensino de matérias relevantes para a vida prática (como culinária) tem enorme valor, mas a experiência do professor fez com que visse oportunidade para ir muito além. Se os alunos são de famílias de imigrantes, as consequências desse fato – dificuldade de adaptação cultural, aprendizado de uma língua nova (quando não duas, para quem não falava inglês), saudades da família que ficou no país de origem etc. – precisam ser levadas em consideração. Mais que isso, não existem tabus para as conversas em sala de aula: casamento, amor, sexo, sexualidade, religião e, claro, nazismo. Os três primeiros são assuntos afins, abordados com informalidade. A sexualidade é um tema que oportuniza a reflexão, de modo que Bachmann não reprova frontalmente a homofobia, mas provoca os pré-adolescentes a enxergar por si próprio o quão estúpida ela é. A lição sobre religião é sobre tolerância (para que os estudantes percebam a inadmissibilidade de um crucifixo na sala em se tratando de um Estado laico). Por fim, o nazismo é encarado com uma seriedade elogiável (ainda mais considerando a idade dos aprendizes).

Com duzentos e dezessete minutos, a diretora Maria Speth consagra a proximidade estilística de seu filme com as obras do renomado documentarista Frederick Wiseman. O estilo observativo e a construção de uma narrativa apenas a partir da montagem (sem interferência direta, como entrevistas) reafirmam a filiação à filmografia de Wiseman. A passagem do tempo aparece em versão micro (o amanhecer gélido, ainda com ar de noite, antes da chegada do ônibus à escola), mas também macro (nos establishing shots da cidade, inicialmente com a neve, depois com paisagens floridas, mostrando que meses se passaram). Prestando mais atenção, porém, é possível perceber que a barriga da sra. Bal cresceu, assim como os próprios pré-adolescentes. Quase quatro horas de filme parecem desafiadoras, contudo a riqueza de tudo o que está lá faz valer a experiência de ver o afeto como lição e como ferramenta de ensino.

* Filme assistido durante a cobertura da 45ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.