Nosso Cinema

A melhor fonte de críticas de cinema

“SUOR” – Perfeição na aparência [44 MICSP]

Ainda mais difícil do que ser saudável é ser um influenciador digital no mundo saudável. A vida de “digital influencer” exige uma saúde que nem mesmo as pessoas mais “fitness” conseguem ser integralmente: a saúde mental. Em uma primeira camada, SUOR é sobre a vida dessas pessoas, porém existe um pouco mais do que essa primeira leitura.

Sylwia é uma influenciadora digital com seiscentos mil seguidores motivados por sua vida fitness. Exercícios intermináveis para alcançar o corpo perfeito e alimentação saudável são apenas uma parte da sua vida. O tempo todo ela precisa estar sorrindo e parecer empolgada. Entretanto, quando Sylwia deixa transparecer sua vulnerabilidade, as cobranças se tornam um incômodo.

(© Mubi / Divulgação)

Em um trabalho ótimo, Magdalena Kolesnik parece captar bem a essência de Sylwia: feliz com o que faz, mas consciente das próprias limitações emocionais. Ela nutre um amor convincente pelos seus devotos fãs, mostrando-se disposta a postergar seus planos iniciais no shopping para ouvir uma seguidora durante alguns minutos. Alegre, seus prazeres são ouvir o pop-rock de Roxette – na trilha do filme estão “She’s got the look” e “Spending my time” – e passear com Jackson, seu cachorro. Em um de seus passeios, ela acaba conhecendo Rysiek (Tomasz Orpinski), alguém que a surpreende por fazê-la pensar melhor sobre o que busca.

O que Sylwia quer são relações humanas, pessoas que se preocupem com ela enquanto pessoa. Não é à toa que o diretor Magnus von Horn adote o ponto de vista da protagonista como o ponto de vista do próprio filme – tanto na narrativa (já que o roteiro também foi escrito pelo cineasta) quanto na filmagem (a câmera a acompanha a todo momento). Trata-se de um evidente estudo de personagem. Sylwia é o arquétipo da digital influencer, alguém que não pode demonstrar falhas emocionais. Quando ela fica enojada pela atitude de Rysiek ao bater no vidro de seu carro, não é o mesmo nojo que sente quando Klaudiusz (Julian Swiezewski) faz exatamente o mesmo que o stalker. Mesmo sendo a mesma a ação dos dois homens e também a reação da moça, o desvalor que ela atribui às condutas é distinto. Nos dois casos, ela sente asco, porém a indignação sentida em relação a Rysiek não tem a mesma pujança da decepção que Klaudiusz causa.

Paradoxalmente, é com Rysiek que Sylwia encontra a humanidade em si. O carinho que sente pelos seguidores, que já não era falso, é ressignificado por ela mesma quando percebe que até mesmo um stalker dá mais atenção ao seu trabalho do que a própria família. Quando Rysiek fala que eles não são tão diferentes (quanto ela pensa), pode ser que ele tenha razão. Para os seguidores, ela não é um objeto (como é para Klaudiusz e para seu agente, ainda que de maneiras bem distintas).

O diretor aposta fortemente na cor vermelha para traduzir visualmente a energia imensurável que Sylwia precisa transmitir para seus fãs. Exceto pelos vestidos de dois momentos específicos, quando está “de folga” (no aniversário da mãe e na festa em que está Klaudiusz), o vermelho é a sua cor de vestuário sempre. Por vezes, na calça legging rosada para fazer exercícios; outras vezes, em um roupão com bolinhas vermelhas – mas sempre usando cores derivadas do vermelho. A escolha de matizes avermelhadas é funcional e combina com a personagem, principalmente porque ela precisa exteriorizar a alegria de sua vida ativa. Acessórios também são dessa cor, como o esmalte das unhas e as lentes dos óculos de sol. Da mesma forma, um dos cenários faz uma contraposição interessante: na sala usada como camarim no shopping, embora uma das paredes seja vermelha, as demais são quase integralmente da cor cinza, como um anúncio de que a empolgação rubra não consegue ser perene.

No realismo de von Horn – presente nos planos longos e no uso de câmera na mão -, os sons diegéticos de uma ofegante Sylwia (quando ela vai à academia após ter visto o vídeo de Rysiek) são expressão de dor e cansaço físico, mas também emocional. Ela carrega o peso colocado nos aparelhos de musculação, mas sente também o peso da responsabilidade de ter um stalker em sua vida. É apenas se desprendendo, contudo, da aparência inabalável de digital influencer que a protagonista consegue se prender à própria humanidade – e talvez realmente postar, falar e fazer o que quiser. Pode ser que o vídeo de Rysiek tenha mostrado que esse não é o caso apenas de Sylwia, mas de todos que se submetem às redes sociais. A diferença é que ela, como influenciadora, pode romper as barreiras da perfeição aparente que todos querem exibir.

* Filme assistido durante a cobertura da 44ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.